PUBLICIDADE

Publicidade

'Cheque em branco abriu as portas para o populismo'

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro, alerta para o risco de fatura extra de gastos do governo em 2022 crescer ainda mais no Congresso

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - O ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall, hoje diretor da ASA Investments, alerta para o risco de a fatura extra de gastos do governo em 2022 crescer ainda mais no Congresso após o próprio governo “trair” seus combatentes da área fiscal e abrir as portas para o populismo, com a mudança na regra do teto de gastos. Confira alguns trechos da entrevista:

Carlos Kawall, economista-chefe do ASA Bank e ex-secretario do Tesouro Nacional Foto: LEONARDO RODRIGUES/VALOR/AGÊNCIA GLOBO/

Como fica o cenário fiscal com essa mudança no teto e um espaço de mais R$ 83 bilhões para gastos em 2022? É muito mais do que inicialmente se supunha, mas aparentemente muito menos do que a classe política entende ser necessário. Se fosse fazer uma imagem, temos um teto, um limite que pode gastar. Aí aparece um cheque em branco. Qual o valor desse cheque em branco? Vamos pôr R$ 30 bilhões, R$ 40 bilhões, mas por que não R$ 50 bilhões? Por que não R$ 80 bilhões? A dúvida é isso. Qual é o tamanho desse cheque em branco? Quem vai decidir é o Congresso. Isso abriu as portas para o populismo.Qual é o risco disso? A política social não pode ser irresponsável, porque vai se voltar contra a própria pessoa que você quer ajudar. Por isso que o populismo nunca resolveu o problema das classes menos favorecidas. Precisa ter estabilidade, responsabilidade fiscal, inflação baixa e juro baixo, e nesse arcabouço ampliar os gastos sociais. Para isso, tinha de pegar o gasto obrigatório da União, que é majoritariamente voltado a beneficiar privilegiados, e reduzi-lo. Buscar o que o próprio ministro (Paulo Guedes) falava, ‘não vamos furar o teto, vamos quebrar o piso’. Ele mudou o discurso. Agora vamos furar o teto. O que estamos preocupados é que a gente já viu esse filme no governo Dilma. Tudo bem, ela ganhou a eleição naquele momento, e depois o Brasil entrou numa crise profunda.O que representa essa mudança de discurso? A saída dos secretários foi reveladora do fato de que quem está no comando capitulou e aderiu ao discurso do populismo fiscal. E isso é muito grave. Não adianta estar lá na trincheira, no Tesouro Nacional, vem o inimigo e você não tem a arma na mão. O próprio Ministério da Economia, o governo como um todo, assume que é melhor gastar. Quem está lá na trincheira agora está vendido ao inimigo. Tinha já uma negociação colocada para mudar o indexador (do teto), o ministro falou isso na quarta à noite, na quinta-feira estava no texto. Para mim, isso mostrou uma traição de alto nível. É o general que abandona seus combatentes. O que vem a partir de agora é qual o rumo que se toma. O Congresso pode achar que é o momento de aproveitar a brecha para gastar mais. Já percebemos que não existe nenhuma vontade de conter isso, o teto já está furado mesmo. Essa é uma hipótese. A outra é o Congresso colocar um limite nisso. Acho muito improvável. A única boa notícia que pode acontecer é não piorar mais ainda, porque melhorar não vai.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.