Publicidade

China baixa a aposta em Macau

Por Maureen Fan
Atualização:

O trabalhador dispensado da província de Hunan se afastou da mesa de bacará enquanto sua esposa fazia as apostas. Ele tomou um gole de água e explicou como justificava ter viajado para essa ex-colônia portuguesa na costa meridional da China - o único lugar do país onde o jogo é legal - e torrou US$ 450 da sua poupança aqui. "Não somos ricos, por isso primeiro tomamos o trem para Guangzou, depois pegamos um ônibus para Zhuhai", contornando Macau, disse Zhang, de 50 anos, que só quis dar o primeiro nome. "Estamos num hotel que custa apenas US$ 15 a diária, e comemos em vendas de rua por não mais que US$ 3 por refeição. Não compramos nada aqui", ele acrescentou, correndo o olhar pelas mesas meio vazias no megacassino conhecido como Venetian Macao. Há quatro anos, os jogadores quebravam as portas dos cassinos mais novos disputando os assentos. Há dois anos, Macau recolhia US$ 7 bilhões em receita anual de cassinos, sobrepujando a Las Vegas Strip como o maior centro de jogatina do mundo. As autoridades esperavam que parte desse lucro ajudasse a transformar o enclave decadente e sonolento num próspero centro de convenções e entretenimento familiar. Hoje, porém, autoridades do Partido Comunista que um dia saudaram a chegada de companhias americanas como MGM Mirage, Wynn Resorts e Las Vegas Sand, colocaram freios nos milhões de visitantes continentais que acorrem ao território e, como Zhang, parecem entregar seu dinheiro a companhias estrangeiras sem investir na própria Macau. O impacto das novas restrições à concessão de vistos mudou o visual e o ânimo de Macau, onde os tempos de exultação deram lugar subitamente ao desânimo. A maioria dos moradores continentais, que compõe mais da metade dos visitantes a Macau, agora só tem permissão para uma visita a cada três meses, conforme uma política do Ministério de Segurança Pública da China. O acesso por Hong Kong, uma corrida de ferryboat de uma hora, tem sido fortemente restringido por autoridades de Macau. E os visitantes do continente de passagem para outras cidades asiáticas, que costumavam ficar em Macau por duas semanas, agora só podem permanecer uma. Em alguns estabelecimentos, os negócios caíram pela metade. O número de turistas individuais - os que não estão viajando a negócio ou como parte de um grupo turístico - caiu para 470.049 em outubro, uma queda de 26% em relação a outubro do ano passado, segundo o Departamento de Estatísticas e Censo de Macau. "De agosto em diante, o número de nossos consumidores caiu pela metade", disse Emily Chen, administradora da agência de viagem Seven Seas de Macau. "Como a maioria dos cassinos daqui depende de turistas do continente, o dinheiro flui continuamente da China para países estrangeiros. É por isso que o governo quer controlá-lo." O governo central em Pequim também está tentando conter a corrupção endêmica e lavagem de dinheiro há muito associadas ao território, que retornou ao controle da China em 1999. A mídia estatal relata que autoridades apanhadas em escândalos de pagamento de propina freqüentemente citam visitas a Macau; um ex-planejador econômico da cidade de Xiangtan, em Hunan, foi sentenciado a 19 anos de prisão em maio por haver torrado US$ 219 mil de dinheiro público em 36 visitas a Macau desde 2002. Mas as autoridades também podem estar tentando conter o boom de Macau por temer que um crescimento muito acelerado do território ameace desestabilizar uma economia que já estava sofrendo uma desaceleração antes mesmo da crise financeira mundial recente. "No passado, o número crescente de turistas do continente já havia superado a capacidade de acomodação de Macau", disse Antonio Ng Kuok-cheong, da Assembléia Legislativa de Macau. "Por isso, nós realmente saudamos a nova política de vistos." Depois que as autoridades quebraram o monopólio do magnata local dos cassinos, Stanley Ho, em 2002, a receita do jogo aqui quase triplicou entre 2003 e 2007. O Wynn Resort Macau de US$ 1,2 bilhão, de Steve Wynn, foi aberto no fim de 2006, com um lago artificial e um show aquático musical. O Venetian, de US$ 2,6 bilhões, se vangloria de que suas 3 mil suítes fazem dele o maior hotel do mundo. Mas a desaceleração atingiu então a vizinha província de Guangdong, uma grande fonte de jogadores e uma das regiões mais duramente atingidas pelo fechamento de fábricas e a perda de empregos. A crise também diminui a riqueza em Hong Kong, outra grande supridora de visitantes. Junto com as restrições de vistos, esses desdobramentos quase levaram à falência reis de cassinos ultra-endividados como Sheldon Adelson, o bilionário dono do Las Vegas Sands, que já ocupou a posição de terceiro homem mais rico dos Estados Unidos. Guindastes de construção agora permanecem ociosos sobre megahotéis e shopping centers semiconstruídos num pedaço de terra recuperado conhecido como Cotai Strip, incluindo uma expansão do projeto Venetian Macao de Adelson. Lojas de luxo colocaram cartazes anunciando descontos de até 70%. Até os operadores de gôndolas na imitação do Grande Canal de Veneza no Venetian têm muito menos trabalho para fazer. Os legisladores estão estudando se devem reduzir os salários de empregados de cassinos na tentativa de garantir seus empregos. Mais de 10 mil trabalhadores da construção estão desempregados, incluindo 4 mil de Hong Kong, 4 mil do continente e 2 mil de Macau. Enquanto isso, porém, os jogadores continuam encontrando maneiras de aumentar ao máximo seu tempo de cassino apesar das novas restrições, que começaram em novembro de 2007. A política é incômoda, disseram alguns, mas, em última instância, inútil para dissuadir visitantes do continente decididos a jogar. Luo Meiyun, uma comerciante de roupas de 45 anos de Hangzhou, na província de Zhejiang, disse que costumava vir quatro vezes por mês e chegava a ficar até 28 dias. Ela trazia US$ 1.500 a US$ 3.000 de cada vez. Agora, só pode visitar uma vez por mês, por sete dias, e encontra uma porção de mesas vazias. "A política é absolutamente desnecessária. As pessoas que querem jogar ainda tomarão todo tipo de medidas, como usar um passe de negócios ou voar primeiro para outro país e depois até aqui", disse Luo, enquanto cruzava para Macau em Zhuhai, onde as filas eram curiosamente pequenas. "As pessoas simplesmente gastarão mais tempo e dinheiro para chegar em Macau. É de fato uma grande dor de cabeça. Mas a política não consegue esfriar o entusiasmo das pessoas, porque o jogo é proibido no continente." Isso poderá mudar em breve. As autoridades estão testando uma forma de jogo em Wuhan, na província de Hubei, em que os apostadores que acertarem o vencedor numa corrida de cavalos receberão um bilhete de loteria que confere uma chance de 60% de ganhar alguma coisa, de US$ 0,45 a quase US$ 600.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.