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China cobra promessa brasileira

Cinco anos depois, reconhecimento do país asiático como economia de mercado ainda não saiu do papel

Por Cláudia Trevisan e PEQUIM
Atualização:

Quase cinco anos depois de ter sido anunciado com alarde pelo governo brasileiro e recebido com críticas ferozes pela indústria nacional, o reconhecimento da China como economia de mercado ainda não saiu do papel. O tema que incomoda a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) deverá voltar à pauta neste ano, em visitas de alto nível nas quais os chineses pressionarão o Brasil para que cumpra a promessa realizada em 2004. Apesar de constar de memorandos de entendimento assinados pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hu Jintao, o reconhecimento da China como economia de mercado não passa de uma declaração formal do Brasil, jamais traduzida em instrumentos legais. Fontes ouvidas pelo Estado dizem que os chineses estão insatisfeitos com o fato de o Brasil até hoje não implementar uma medida anunciada em conjunto pelos presidentes dos dois países. O assunto é levantado em reuniões de diplomatas e ministros e cresce a pressão de Pequim para que o anúncio seja concretizado. O tema estará de novo na mesa de negociação quando o presidente Lula visitar a China, ainda no primeiro semestre, e o primeiro-ministro Wen Jiabao estiver no Brasil, na segunda metade do ano. O embaixador do Brasil na China, Clodoaldo Hugueney, afirma que esta é uma questão que "tem de ser resolvida" e sugere um caminho intermediário, com o reconhecimento gradual de setores que já funcionem de acordo com as regras de mercado. Uma eventual declaração do Brasil de que a China é uma economia de mercado terá grande impacto nas inúmeras medidas antidumping em vigor contra o país asiático, que lidera o ranking contra os quais existem barreiras à importação. Por meio delas, empresas nacionais conseguiram a imposição de sobrepreço para importação de produtos chineses vendidos teoricamente abaixo de seu valor "normal" - que seria o preço praticado dentro do país exportador ou em suas vendas para outros destinos. Se a China não é uma economia de mercado, isso significa que os mecanismos de definição de preços são distorcidos e seus valores não podem ser usados como parâmetro para definir se existe ou não prática de dumping. Portanto, ao julgar processos abertos contra a China, o Brasil não compara os preços dos produtos exportados pelos chineses com os preços praticados no seu mercado interno, já que em tese eles não são definidos pelo mercado. A comparação se dá com preços praticados em países reconhecidos como economia de mercado, o que facilita o julgamento dos casos e amplia as chances de vitória da indústria nacional - com mão de obra barata e custos baixos, os chineses conseguem produzir quase tudo a um preço menor que o de outros países. Das 22 medidas antidumping em vigor contra a China, 18 foram impostas a partir de 2004. Em todos esses casos, a Câmara de Comércio Exterior - órgão governamental responsável pelos julgamentos - ressaltou que a China não é uma economia "predominantemente de mercado" para fins de defesa comercial. O país asiático é alvo de outros 7 pedidos de medidas antidumping entre os 21 novos processos atualmente em estudo pelo governo. Há outras quatro solicitações de prorrogação de direitos antidumping em vigor. A indústria brasileira fabricante de lápis, por exemplo, solicitou em 2008 a extensão das barreiras antidumping sobre as importações da China, que desde 2003 estão sujeitas a um sobrepreço de 201%. A referência para análise dos preços não será o mercado chinês, mas o dos Estados Unidos.De setembro de 2006 a agosto de 2007, o preço de exportação de lápis pretos pela China foi de US$ 1,45 o quilo. No mesmo período, os EUA exportaram a mercadoria a US$ 14,89 o quilo. As autoridades brasileiras justificam o não reconhecimento da China como economia de mercado com o argumento de que o país asiático também não cumpriu promessas realizadas em 2004, como a realização de investimentos no Brasil e o apoio à pretensão de Brasília de conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). Os chineses respondem que os investimentos estão sendo realizados e que seu ritmo é necessariamente lento pois exige a análise de projetos. Também afirmam que são favoráveis ao pleito brasileiro em relação ao Conselho de Segurança, mas não da forma como foi apresentado, em conjunto com o Japão, país com o qual a China esteve em guerra entre 1937 e 1945.

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