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China conduz o trem do Brics

País é o que tem mais condições para uma expansão econômica sustentada, embora precise ajustar o foco

Por Panjak Mishra
Atualização:
Xi Jinping, presidente chinês, no Brasil para cúpula do Brics 

O acrônimo Brics, criado incidentalmente pelo ex-economista do Goldman Sachs Group e colunista da Bloomberg View, Jim O' Neill, para rotular os mercados emergentes promissores, reuniu líderes de países muito diferentes, como Brasil Rússia, Índia, China e África do Sul. Na semana passada no Brasil, esses líderes deram um passo importante para a criação de instituições que podem plausivelmente desafiar a longa ascendência econômica e geopolítica do Ocidente.

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O Novo Banco de Desenvolvimento, com sede em Xangai, financiará projetos de desenvolvimento e infraestrutura. Será o maior rival do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), como também da arquitetura traçada pelos Estados Unidos em Bretton Woods em 1944.

Há boas razões pelas quais a China vem se esforçando para criar tal instituição. Os países que formam o Brics abrigam mais de 40% da população mundial e representam um quarto da economia do mundo. A própria China em breve deverá superar os Estados Unidos e se tornar a maior economia do mundo (com base no poder de compra doméstico). Mas a liderança do Banco Mundial e do FMI continua a ser reservada exclusivamente aos países europeus ocidentais e dos Estados Unidos.

As prometidas reformas dessas instituições não se materializaram e, claramente, a China agora deseja criar o próprio sistema global com a ajuda do Brics. Uma nova "relação especial" com seu mais próximo aliado econômico no Ocidente - a Alemanha - e o estabelecimento em Frankfurt da câmara de compensação do yuan faz parte da mesma tentativa chinesa de pôr fim à hegemonia do dólar como moeda de pagamento e de reserva.

Também é compreensível a razão pela qual os pobres da China e seus primos muitas vezes ressentidos do Brics se mostrem prontos a apoiar sua autoafirmação global. Índia e África do Sul necessitam de um acesso mais fácil a um dos maiores reservatórios de poupança do mundo; a Rússia, condenada ao ostracismo depois de sua anexação da Crimeia e as manobras hipócritas na Ucrânia oriental, parece ávida da respeitabilidade outorgada pelos fóruns internacionais.

A postura do presidente russo, Vladimir Putin, no Brasil horas antes de um avião da Malásia Airlines ser derrubado na Ucrânia não é a única indicação da "inabilidade" do Brics de oferecer uma alternativa política e moral à hegemonia ocidental. O presidente sul-africano, Jacob Zuma, é acusado de estupro e também de corrupção; Narendra Modi, o novo primeiro-ministro da Índia, país considerado a maior democracia do mundo, não dá muitas esperanças também. Modi voou para o Brasil logo após elevar seu conselheiro à presidência do seu partido: um homem que, como relatou a Bloomberg View, "está sendo processado em juízo por ter ordenado três assassinatos, sequestro de testemunhas, dirigir uma organização especializada em extorsões e contratar criminosos para atirarem contra a sede de um rival".

Líderes como Putin e Modi confiam no fato, infelizmente confirmado, de que aqueles que têm poder conseguem ocultar, e até justificar, todos os tipos de crimes. No entanto, não existe uma certeza absoluta de que o poder passou, como se afirma comumente, do Ocidente para o Oriente.

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A Rússia hoje corre todos os riscos políticos e econômicos de uma dependência total das exportações de combustível fóssil. A África do Sul ainda precisa vencer problemas básicos do Terceiro Mundo, de corrupção e conflitos trabalhistas. O Brasil está preso a uma economia cambaleante e uma classe média descontente.

O sucesso da Índia no campo do software e hardware de computadores, ou do Brasil na área aeroespacial e de defesa são surpreendentes, mas não compete com o dos Estados Unidos. As aquisições altamente alavancadas do grupo Tata de companhias emblemáticas como Jaguar Land Rover e Corus disfarçam o fracasso de não existir uma única marca indiana com reconhecimento global.

Somente a China, com seu superávit comercial e Produto Interno Bruto (PIB), consistentemente altos, seria uma rival convincente dos Estados Unidos. A China está em quinto lugar em diversos setores, incluindo bancário, de seguros, construção, imobiliário, telecomunicações, comércio exterior e transporte.

Mas é instrutivo também comparar a China com o Japão, o mais sério competidor do Ocidente em termos de domínio econômico.

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Marcas como Sony e Panasonic, que se tornaram familiares internacionalmente, são resultado da inovação, pesquisa e desenvolvimento e investimentos japoneses. A China, mesmo que seja a maior exportadora de produtos eletrônicos do mundo, não pode exibir uma realização comparável à do Japão (a menos que inclua iPhone, cujos componentes são montados pela Foxconn, de Taiwan, na China, como produto chinês).

O Japão tornou-se uma superpotência econômica nos dias em que o capital não estava muito globalizado. Hoje, o crescimento do PIB, medida antiquada de poder econômico nacional, é substancialmente o trabalho de investidores e manufaturas estrangeiras. O que é confirmado especialmente pelos países dos Brics.

Em parte esta é a razão pela qual a China ainda considera Estados Unidos como o condutor do crescimento mundial e Brasil e Índia ficam ansiosos ao menor sinal de que a torneira do dinheiro barato será fechada.

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Os booms de commodities e o crédito barato nos anos 2000 levaram Brasil, Índia, África do Sul e Rússia a um período de crescimento fácil. Os maiores beneficiários nesses países - a nova classe média, como Modi chama -, tornaram-se mais importantes na política doméstica e mais visíveis internacionalmente.

A crise financeira de 2008 foi o primeiro sinal de que a era de exuberância irracional desses países não poderia durar. Os desafios políticos e econômicos se multiplicaram desde então.

Mesmo a China, que não foi afetada diante da sua iminente condição de superpotência e porque possui mais condições para uma expansão econômica sustentada do que qualquer um dos demais países do Brics, ainda precisa abandonar o velho modelo de crescimento conduzido pelos investimentos e mudar o foco para o consumo doméstico. Enquanto essa tarefa descomunal não for concluída, a própria tentativa de mudar o status quo não funcionará e o acrônimo Brics continuará a denotar mais uma ambição excessiva do que uma genuína capacidade.

/ Tradução de Terezinha Martino

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