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China elabora projeto de lei contra abusos trabalhistas

Legislação que quer diminuir efeitos negativos do crescimento econômico enfrenta oposição de grandes empresas americanas instaladas no país

Por Agencia Estado
Atualização:

A China está elaborando uma lei para pôr fim à exploração da mão-de-obra de sua população. O projeto propõe que o governo dê mais liberdade e poder às uniões de trabalhadores e sindicatos, que hoje funcionam vinculados ao Estado. Em reportagem publicada nesta sexta-feira, o jornal americano The New York Times afirma que a proposta enfrenta resistência de empresas estrangeiras - principalmente americanas -, que ameaçam deixar de construir fábricas no país caso a legislação entre em vigor. As novas regras são apoiadas pelo Partido Comunista Chinês, que enfatiza a necessidade de diminuir os efeitos negativos do extraordinário crescimento do país desde os anos 80, quando a China passou a ter uma economia de mercado. A lei deve ser aplicada a todas as empresas na China, mas a ênfase é em companhias estrangeiras e os fornecedores dessas empresas. A batalha com as corporações é uma questão importante, pois aumentos nos gastos com mão-de-obra, energia e terreno podem levar o país a se tornar um lugar caro para fazer negócios. A economia da China se tornou uma das mais robustas no mundo desde que a ênfase no mercado livre nos anos 80 encorajou milhões de jovens a trabalharem por salários baixos em companhias que faziam exportações baratas. Como resultado, a China atraiu vultosos investimentos estrangeiros. A nova lei pode, por exemplo, tornar mais difícil despedir trabalhadores - condição que para algumas companhias pode ser tão onerosa que elas devem frear seus investimentos na China. A proposta de lei começou a ser debatida depois que o Wal-Mart, a maior rede varejista do mundo, foi forçado a aceitar membros de organizações trabalhistas entre os funcionários de suas lojas chinesas. Em entrevista ao NYT, o diretor de questões legais da Goodyear em Hong Kong e consultor de questões legais da Câmera Americana de Comércio na China, Kenneth Tung, também criticou a medida: "São dois passos para trás depois de três para frente." Depois de anos de denúncias de abuso trabalhista, o governo parece determinado a dar a uniões de trabalhadores poder de negociar os contratos dos trabalhadores, normas de segurança e padrões de salubridade no ambiente de trabalho. Lobby contra a lei Ainda segundo o jornal americano, representantes de empresas americanas estão travando uma intensa campanha de lobby para persuadir o governo chinês a revisar ou abandonar a proposta de lei, na esperança de impedir algumas das regras. A briga colocou a Câmara Americana de Comércio - que representa empresas com Dell, Ford, General Electric, Microsoft e Nike - contra a Federação de Sindicatos da China, organização oficial das uniões de trabalhadores do Partido Comunista. Os advogados trabalhistas dizem que as regras propostas já vêm tarde e acusam os executivos americanos de favorecer um sistema que se baseia no abuso da mão-de-obra. Nesta sexta-feira, o Estratégias Globais de Trabalho, grupo que apóia políticas de direitos trabalhistas, deve divulgar um relatório em Nova York e Boston denunciando as corporações americanas por se oporem à legislação que pode fortalecer os diretos dos trabalhadores chineses. Membro do grupo e experiente advogado trabalhista, Tim Costello argumenta: "Você tem grandes companhias se opondo a reformas modestas." Procurado pelo Times, o ministro do Trabalho chinês se recusou a comentar a questão na última quinta, dizendo que a lei ainda está em estágio inicial de elaboração. Grande parte das companhias americanas se negaram a comentar o caso, dizendo que o assunto é delicado e direcionando as ligações para a Câmera Americana de Comércio. Andreas Laufft, advogado da Baker e McKenzie, de Hong Kong, disse que as companhias americanas consideraram o projeto muito restritivo. Laufft acredita que as normas podem tornar mais difícil despedir empregados por uma performance fraca. "Se é difícil se livrar de alguém agora, sob essas regras vai ser impossível." Histórico Na China de 1950 e 60, todos os trabalhadores estavam protegidos pelo governo ou pelas companhias estatais, que freqüentemente forneciam moradia e assistência de saúde. Nos anos 80, quando o velho modelo maioísta deu lugar à reestruturação econômica e ao início da ênfase nas forças de mercado, a China começou a eliminar esses benefícios. Aí começaram demissões em massa, desemprego e abusos trabalhistas. A situação é pior ainda para migrantes, a maioria exilados de províncias pobres que viajam para viver nos dormitórios lotados das empresas, enquanto trabalham por longas horas sob condições insalubres. Migrantes reclamam de abusos, como ter seus salários retidos ou serem forçados a trabalhar sem contrato. "Não sei nada sobre a legislação trabalhista", disse Zhang Yin, migrante de 18 anos que lava pratos em Xangai. "Nos três meses que eu estive aqui, meu patrão atrasou o pagamento do meu salário duas vezes. Quero ir embora." Diante do crescimento contínuo da nação e do medo de agitações sociais, oficiais de Beijing parecem determinados a melhorar a proteção aos trabalhadores. Nos últimos anos, um número cada vez maior de trabalhadores de fábricas foram à Justiça ou tomaram as ruas para protestar contra as más condições de trabalho e os atrasos no salário. O professor de Direito da Universidade Normal de Xangai e consultor das autoridades que estão formulando o projeto de lei, Liu Cheng acredita que o governo está preocupado com a possível eclosão de um tumulto. "O governo enfatiza a estabilidade social, então precisa resolver os problemas existentes na sociedade." Impunidade A lei pode impor multas pesadas para companhias que deixem de cumpri-la. Se aprovada e seguida à risca, a nova lei pode transformar o mercado de trabalho e puxar para cima o valor dos salários dos trabalhadores. "Se você realmente obedecer a lei, o salário dos trabalhadores migrantes pode dobrar de valor", diz a especialista em questões trabalhistas, Anita Chanem. A legislação trabalhista já existente e tem sido pouco aplicada. Quem se opões à proposta de lei argumenta que exigir o cumprimento das normas já existentes é suficiente para resolver os graves problemas do país. Liu, o advogado de Xangai que aconselhou o governo na elaboração do projeto, diz que muitas empresas evitam as leis atuais contratando trabalhadores por meio de agências. Ele acredita que a nova lei protege mais os trabalhadores desse tipo de abuso. "O princípio não é elevar dramaticamente os padrões de trabalho, mas tornar mais rigorosa a punição para quem viola a lei".

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