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China reage à ameaça comercial dos EUA

Para ministro do Comércio, numa briga com a China os Estados Unidos têm mais a perder

Por John Pomfret
Atualização:

O ministro do Comércio da China, Chen Deming, advertiu os Estados Unidos de que, se deflagrarem uma "guerra comercial" impondo tarifas punitivas às importações chinesas, terão mais a perder. O ministro disse ainda que a "obsessão" do governo dos Estados Unidos com a moeda chinesa só poderá ser tratada com seriedade quando pararem de bloquear as exportações de produtos de alta tecnologia, como supercomputadores e satélites, para a China. "Se algum parlamentar insistir em tachar a China de manipuladora da moeda e aplicar tarifas punitivas aos produtos chineses, o governo (chinês) considerará impossível não reagir", disse Chen em entrevista no domingo ao jornal The Washington Post. "Se os Estados Unidos usarem o câmbio para começar uma nova guerra comercial, a China será afetada, mas o povo e as companhias americanas serão ainda mais." Os comentários de Chen mostram a exasperação da liderança chinesa com a pressão dos EUA para que valorize sua moeda, o yuan, em relação ao dólar. Além disso, destacam também que a China tenta usar a atual disputa comercial para pressionar Washington com as próprias exigências: eliminar, ou pelo menos abrandar, as sanções que há 20 anos limitam as exportações americanas à China. O presidente Obama afirma que, se a China permitir a valorização do yuan, as exportações americanas aumentarão. O senador Charles E. Schumer (democrata de Nova York) prepara um projeto de lei que prevê a imposição de tarifas a produtos chineses se a China não permitir que sua moeda flutue mais livremente. No dia 15 de abril, o Departamento do Tesouro divulgará um relatório sobre as moedas mundiais. Chen disse que o governo chinês não quer ser rotulado como "manipulador da moeda". Chen, que estudou na Universidade Harvard, afirmou que não compreende o que os Estados Unidos pretendem ameaçando a China com tarifas. "Vocês não conseguirão fazer com que 1,3 bilhão de chineses mudem por meio de insultos", disse. "Por acaso essa atitude tem a ver com as próximas eleições? Não sei. Porque, do ponto de vista econômico, não tem sentido." Globalização. Segundo Chen, se as ações dos Estados Unidos visarem a redução do desequilíbrio comercial dos EUA limitando as importações, não surtirão nenhum efeito. É possível que as importações da China diminuíssem, mas isso não significaria que os americanos recomeçariam a produzir bens como telefones e televisores. "Essas coisas não voltarão a ser fabricadas nos EUA, porque não é prático. A globalização mudou tudo." Para Chen, a melhor maneira de os Estados Unidos aumentarem suas exportações, seria abrandando as restrições às exportações de alta tecnologia e itens de uso civil e militar à China. Desde 1989, quando o governo chinês reprimiu os protestos estudantis na Praça Tiananmen, os EUA estabeleceram limites a determinadas exportações. Chen disse que essas limitações somam bilhões de dólares anuais em comércio. E acrescentou que, em razão dessas restrições, as conversações sobre um sistema de intercâmbio mais aberto na China não têm a menor probabilidade de sucesso. "Se vocês quiserem discutir o câmbio, terão de fazê-lo segundo um sistema de livre comércio", disse, "Um sistema pelo qual, se eu quero comprar algo, eu posso, e se vocês querem vender algo vocês podem." Chen mencionou alguns exemplos de restrições americanas. Depois do forte terremoto na Província de Sichuan, em 2008, a China tentou comprar motores para helicópteros Black Hawk que os EUA haviam vendido ao país na década de 80, quando os países estavam alinhados contra a União Soviética. Segundo o ministro, a China tentava fazer a aquisição para resgatar os feridos no terremoto, mas os EUA rejeitaram o pedido. (Funcionários americanos levantaram dúvidas sobre essa afirmação chinesa, ressaltando que os Black Hawks têm capacidade limitada como meio de transporte.) A China resolveu o problema emprestando motores de helicópteros, e posteriormente comprando helicópteros da Rússia. O mesmo é válido no caso dos satélites, acrescentou. A China gostaria de comprar os americanos, mas por causa dos controles sobre as exportações foi obrigada a comprar da Europa. "É por esse motivo que nossa balança comercial com os EUA está alterada. Os EUA mantêm rigorosos controles sobre as exportações para a China." Por outro lado, a China precisa desses bens, acrescentou. "Somos uma nação de 1,3 bilhão de pessoas. Formamos anualmente 7 milhões de universitários. Ou construiremos nós mesmos estes bens ou os compraremos em outro lugar." Carne de porco. Lembrando um antigo provérbio chinês que Mao Tsé-tung tanto apreciava, Chen disse: "Somente porque o açougueiro morreu, não significa que não poderemos comer carne de porco". Obama chegou à presidência afirmando que reveria as restrições às exportações a certos países. "Mas", ressaltou Chen, "isso faz mais de seis meses, e até agora nada aconteceu. Ele disse que quer dobrar as exportações em cinco anos, mas não sei a quem venderá estes produtos." Chen afirmou que a China não quer que a questão do comércio assuma um caráter político. Para tanto, disse que o vice-ministro do Comércio, Zhong Shan, chegará aos Estados Unidos nos próximos dias para discutir questões comerciais com seus colegas do Departamento do Comércio e do Escritório do Representante do Comércio dos EUA. "Ambas as partes precisam manter a calma", comentou. "Precisamos sentar e conversar." Mas, se os EUA decidirem impor tarifas à China, as companhias americanas que operam na China, responsáveis por mais de 60% das exportações da China para os EUA, seguramente serão as mais afetadas. "No fim", acrescentou, "os EUA são os únicos que precisam se adequar". Embora alguns analistas tenham previsto que, dentro em breve, a China começará a permitir a valorização do yuan, a entrevista com Chen mostrou que há um forte lobby na China contra a valorização. Um dos motivos pelos quais uma revalorização seria perigosa para a China, segundo o ministro, é que as margens de lucro para os exportadores chineses são muito baixas - variando de 1,7 a 2 pontos porcentuais. / TRADUÇÃO: ANNA CAPOVILLAGuerra verbalCHEN DEMINGMINISTRO DO COMÉRCIO DA CHINA"Se algum parlamentar insistir em tachar a China de manipuladora da moeda e aplicar tarifas punitivas aos produtos chineses, o governo (chinês) considerará impossível não reagir""Se os Estados Unidos usarem o câmbio para começar uma nova guerra comercial, a China será afetada, mas o povo e as companhias americanas serão ainda mais""Se vocês quiserem discutir o câmbio, terão de fazê-lo segundo um sistema de livre comércio. Um sistema pelo qual, se eu quero comprar algo, eu posso, e se vocês querem vender algo vocês podem""Ele (Obama) disse que quer dobrar as exportações em cinco anos, mas não sei a quem venderá estes produtos"

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