Para Luiz Fernando Figueiredo, sócio da gestora Mauá Capital e ex-diretor de política monetária do Banco Central, o aumento da taxa básica de juros de 0,75 ponto porcentual está em linha com o processo de normalização dos juros iniciado pela entidade monetária no começo do ano. Segundo ele, esse nível de aumento indica uma posição de firmeza da autarquia, que busca elevar a taxa de juros para conter o aumento da inflação nos últimos meses.
Em entrevista ao Estadão, Figueiredo afirma que o aumento da inflação tem relação com um choque temporário de custos, puxado principalmente pela elevação dos preços das commodities, que vêm afetando as empresas e consumidores em todo o mundo. É uma situação que deve levar um tempo para se normalizar, à medida que a economia dos países se recupera dos efeitos da pandemia, mas que tende a ser passageira.
Nesse cenário, segundo ele, os bancos centrais e os governos precisam ficar atentos para reduzir os estímulos monetários e fiscais, para evitar um aumento maior da inflação. “As expectativas sobre a inflação ainda estão dentro do esperado, mas é preciso tomar cuidado para não descolarem da meta do ano que vem”, afirma. Abaixo, trechos da entrevista.
Qual a avaliação do senhor sobre o desafio do Banco Central em responder à pressão inflacionária?
Na minha visão, o aumento da inflação é um fenômeno que o mundo todo está vivendo. E esse fenômeno ainda não se encerrou. À medida que (a economia) vai normalizando, a demanda por alguns produtos e serviços cresce, e a procura por outros itens cai. Mas o mundo ainda vive um nível de desemprego muito elevado. Alguns lugares mais, outros menos. Uma vez que a economia se normalize completamente, é difícil acreditar que o processo inflacionário se mantenha forte.
Por quê?
Porque o desemprego é tão alto que impede um aumento de preços muito elevado. A dúvida que existe hoje é se o desemprego vai sumir rapidamente, devido ao excesso de estímulos. Se isso acontecer, realmente pode ter uma situação de superaquecimento da economia e um processo inflacionário mais vigoroso. O cenário de hoje não é este. É o primeiro cenário: o desemprego ainda alto e choques de preços intensos.
Como o Banco Central pode responder a esses choques?
O Banco Central consegue ajustar a demanda, mas, sobre os choques de aumento de custo, não há muito o que fazer. Não existe instrumento para agir contra isso. Nenhum banco central no mundo tem. Só que esses choques tendem a ser temporários - desde que não haja uma barbeiragem dos governos.
E como fica a situação do Brasil?
No caso brasileiro, diria que o desafio é maior porque os choques de preços foram mais acentuados do que no mundo em média, até por causa da nossa fragilidade fiscal. Mas, por outro lado, o nosso desemprego não tende a se reduzir fortemente.
Por que não?
Porque o Brasil já tinha um desemprego alto antes da pandemia. Além disso, durante a pandemia, muitas empresas aprenderam a trabalhar com menos pessoas. E no Brasil o custo de empregar e desempregar é alto. O mercado de trabalho é rígido. A tendência é (a empresa) trabalhar o máximo que puder sem empregar mais, o que acaba postergando a recuperação do emprego. E também existe um risco fiscal que sempre está à espreita e acaba reduzindo a confiança das pessoas, dos empresários e por aí vai.
Nesse sentido, o risco de uma inflação mais acelerada é menor no Brasil?
O risco de superaquecimento da economia é menor. O risco é haver tantos choques de custos que isso acabe gerando um processo de bola de neve (nos preços dos produtos e serviços). As expectativas sobre a inflação ainda estão dentro do esperado, mas é preciso tomar cuidado para não descolarem da meta do ano que vem. Um desafio importante para o Banco Central é controlar as expectativas. Para que isso aconteça, a gente precisa ter choques menos frequentes e menos intensos. Nesse sentido, houve uma apreciação do câmbio. Os preços das commodities agrícolas interromperam a alta. Estão mais comedidos. Isso tudo pode ajudar. Mas a verdade é que, semana a semana, a gente vê as expectativas sobre a inflação se distanciando da meta do Banco Central. O desafio é controlar minimamente isso.
Como controlar essa expectativa?
Ficar dando choques (de aumento de juros acima do esperado) um atrás do outro é contraproducente. O Banco Central já surpreendeu o mercado várias vezes ao longo desse processo. Ele tem que se mostrar que está firme. Tem que se mostrar bem disposto a fazer o que for necessário. À medida que se mostra dessa maneira fica mais fácil controlar as expectativas. Lembrando que o que está acontecendo não é um fenômeno só brasileiro. Está acontecendo no mundo inteiro.
Como avalia a resposta da política monetária ao aumento da inflação?
Tivemos tantos choques, e agora temos essa crise hídrica que trouxe mais inflação. Eparece que levará mais tempo para normalizar. Pode ser mais duradouro. É muito difícil um Banco Central controlar as expectativas quando você tem tanto choque um atrás do outro. O lado positivo é que o risco fiscal pelo menos no curto prazo baixou. O teto de gastos foi respeitado. Temos um orçamento que está mais para o responsável do que para o irresponsável. A arrecadação aumentou e o governo segurou gastos. Esse era um choque muito relevante que atrapalhava o Banco Central.
O aumento da taxa Selic está em nível adequado?
O Banco Central tem que se mostrar muito firme. Como é a forma de mostrar? Não é aumentando o passo. Porque já está com o passo largo. Não é super extraordinário, mas está acima do normal. Vejo que o Banco Central pensava em normalizar a política monetária parcialmente. A meu ver ele vai ter que abandonar isso. Dado esse processo inflacionário, vai ter que normalizar completamente. O que quer dizer não dar nenhuma paradinha (no aumento de juros). Ir para 6,50%, 7% com uma certa velocidade.
É onde ele deveria chegar?
Sim. Ele não estará surpreendendo o mercado. O mercado entende que é importante que ele faça. Já colocou isso no preço. Mas não precisa ficar surpreendendo o mercado toda vez.
O Banco Central subestimou o cenário da inflação quando manteve o juros em 2%?
Agora é fácil dizer isso. Mas desde 2002 a gente não tem essa quantidade de choques (de custos). Era difícil supor que haveria esses choques quando a taxa Selic foi para 2%. A expectativa de inflação no ano passado era bem abaixo da meta. Ele se antecipou e começou um ritmo bem forte de alta. O Banco Central não brincou em serviço. Muita gente foi crítica, dizendo que o câmbio depreciou demais por causa disso. Minha opinião é de que o juro tem pouco impacto na taxa de câmbio quando a gente tem um risco fiscal do tamanho que a gente tem. Algum tem, mas é pequeno.
O que mais é preciso ficar de olho nos próximos meses na inflação e que pode afetar a política monetária?
A primeira delas é a dinâmica da pandemia: o quanto a economia no mundo está indo ou não para a normalidade. Está cada vez indo mais para a normalidade. À medida que isso ocorre, fica cada vez menos correto continuar com o volume de estímulos fiscais e monetários que o mundo está dando. Tem que haver uma mudança nessas políticas. Quanto mais demorar para fazer essa mudança de política, maior risco a gente tem.