Publicidade

Choques de custo desafiam política de juros do BC, diz ex-diretor de política monetária

Para Luiz Fernando Figueiredo, sócio da gestora Mauá Capital, decisão do Banco Central busca controlar as expectativas da inflação para 2022

Por Filipe Serrano
Atualização:

Para Luiz Fernando Figueiredo, sócio da gestora Mauá Capital e ex-diretor de política monetária do Banco Central, o aumento da taxa básica de juros de 0,75 ponto porcentual está em linha com o processo de normalização dos juros iniciado pela entidade monetária no começo do ano. Segundo ele, esse nível de aumento indica uma posição de firmeza da autarquia, que busca elevar a taxa de juros para conter o aumento da inflação nos últimos meses. 

PUBLICIDADE

Em entrevista ao Estadão, Figueiredo afirma que o aumento da inflação tem relação com um choque temporário de custos, puxado principalmente pela elevação dos preços das commodities, que vêm afetando as empresas e consumidores em todo o mundo. É uma situação que deve levar um tempo para se normalizar, à medida que a economia dos países se recupera dos efeitos da pandemia, mas que tende a ser passageira. 

Nesse cenário, segundo ele, os bancos centrais e os governos precisam ficar atentos para reduzir os estímulos monetários e fiscais, para evitar um aumento maior da inflação. “As expectativas sobre a inflação ainda estão dentro do esperado, mas é preciso tomar cuidado para não descolarem da meta do ano que vem”, afirma. Abaixo, trechos da entrevista.

Nível de aumento do Banco Central indica uma posição de firmeza, diz Luiz Fernando Figueiredo. Foto: Werther Santana/Estadão

Qual a avaliação do senhor sobre o desafio do Banco Central em responder à pressão inflacionária?

Na minha visão, o aumento da inflação é um fenômeno que o mundo todo está vivendo. E esse fenômeno ainda não se encerrou. À medida que (a economia) vai normalizando, a demanda por alguns produtos e serviços cresce, e a procura por outros itens cai. Mas o mundo ainda vive um nível de desemprego muito elevado. Alguns lugares mais, outros menos. Uma vez que a economia se normalize completamente, é difícil acreditar que o processo inflacionário se mantenha forte.

Por quê?

Porque o desemprego é tão alto que impede um aumento de preços muito elevado. A dúvida que existe hoje é se o desemprego vai sumir rapidamente, devido ao excesso de estímulos. Se isso acontecer, realmente pode ter uma situação de superaquecimento da economia e um processo inflacionário mais vigoroso. O cenário de hoje não é este. É o primeiro cenário: o desemprego ainda alto e choques de preços intensos. 

Publicidade

Como o Banco Central pode responder a esses choques?

O Banco Central consegue ajustar a demanda, mas, sobre os choques de aumento de custo, não há muito o que fazer. Não existe instrumento para agir contra isso. Nenhum banco central no mundo tem. Só que esses choques tendem a ser temporários - desde que não haja uma barbeiragem dos governos. 

E como fica a situação do Brasil?

No caso brasileiro, diria que o desafio é maior porque os choques de preços foram mais acentuados do que no mundo em média, até por causa da nossa fragilidade fiscal. Mas, por outro lado, o nosso desemprego não tende a se reduzir fortemente. 

Por que não?

Porque o Brasil já tinha um desemprego alto antes da pandemia. Além disso, durante a pandemia, muitas empresas aprenderam a trabalhar com menos pessoas. E no Brasil o custo de empregar e desempregar é alto. O mercado de trabalho é rígido. A tendência é (a empresa) trabalhar o máximo que puder sem empregar mais, o que acaba postergando a recuperação do emprego. E também existe um risco fiscal que sempre está à espreita e acaba reduzindo a confiança das pessoas, dos empresários e por aí vai.

Nesse sentido, o risco de uma inflação mais acelerada é menor no Brasil?

Publicidade

O risco de superaquecimento da economia é menor. O risco é haver tantos choques de custos que isso acabe gerando um processo de bola de neve (nos preços dos produtos e serviços). As expectativas sobre a inflação ainda estão dentro do esperado, mas é preciso tomar cuidado para não descolarem da meta do ano que vem. Um desafio importante para o Banco Central é controlar as expectativas. Para que isso aconteça, a gente precisa ter choques menos frequentes e menos intensos. Nesse sentido, houve uma apreciação do câmbio. Os preços das commodities agrícolas interromperam a alta. Estão mais comedidos. Isso tudo pode ajudar. Mas a verdade é que, semana a semana, a gente vê as expectativas sobre a inflação se distanciando da meta do Banco Central. O desafio é controlar minimamente isso. 

Como controlar essa expectativa?

Em altaEconomia
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Ficar dando choques (de aumento de juros acima do esperado) um atrás do outro é contraproducente. O Banco Central já surpreendeu o mercado várias vezes ao longo desse processo. Ele tem que se mostrar que está firme. Tem que se mostrar bem disposto a fazer o que for necessário. À medida que se mostra dessa maneira fica mais fácil controlar as expectativas. Lembrando que o que está acontecendo não é um fenômeno só brasileiro. Está acontecendo no mundo inteiro. 

Como avalia a resposta da política monetária ao aumento da inflação?

Tivemos tantos choques, e agora temos essa crise hídrica que trouxe mais inflação. Eparece que levará mais tempo para normalizar. Pode ser mais duradouro. É muito difícil um Banco Central controlar as expectativas quando você tem tanto choque um atrás do outro. O lado positivo é que o risco fiscal pelo menos no curto prazo baixou. O teto de gastos foi respeitado. Temos um orçamento que está mais para o responsável do que para o irresponsável. A arrecadação aumentou e o governo segurou gastos. Esse era um choque muito relevante que atrapalhava o Banco Central. 

O aumento da taxa Selic está em nível adequado?

O Banco Central tem que se mostrar muito firme. Como é a forma de mostrar? Não é aumentando o passo. Porque já está com o passo largo. Não é super extraordinário, mas está acima do normal. Vejo que o Banco Central pensava em normalizar a política monetária parcialmente. A meu ver ele vai ter que abandonar isso. Dado esse processo inflacionário, vai ter que normalizar completamente. O que quer dizer não dar nenhuma paradinha (no aumento de juros). Ir para 6,50%, 7% com uma certa velocidade. 

Publicidade

É onde ele deveria chegar?

Sim. Ele não estará surpreendendo o mercado. O mercado entende que é importante que ele faça. Já colocou isso no preço. Mas não precisa ficar surpreendendo o mercado toda vez. 

O Banco Central subestimou o cenário da inflação quando manteve o juros em 2%?

Agora é fácil dizer isso. Mas desde 2002 a gente não tem essa quantidade de choques (de custos). Era difícil supor que haveria esses choques quando a taxa Selic foi para 2%. A expectativa de inflação no ano passado era bem abaixo da meta. Ele se antecipou e começou um ritmo bem forte de alta. O Banco Central não brincou em serviço. Muita gente foi crítica, dizendo que o câmbio depreciou demais por causa disso. Minha opinião é de que o juro tem pouco impacto na taxa de câmbio quando a gente tem um risco fiscal do tamanho que a gente tem. Algum tem, mas é pequeno. 

O que mais é preciso ficar de olho nos próximos meses na inflação e que pode afetar a política monetária?

A primeira delas é a dinâmica da pandemia: o quanto a economia no mundo está indo ou não para a normalidade. Está cada vez indo mais para a normalidade. À medida que isso ocorre, fica cada vez menos correto continuar com o volume de estímulos fiscais e monetários que o mundo está dando. Tem que haver uma mudança nessas políticas. Quanto mais demorar para fazer essa mudança de política, maior risco a gente tem.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.