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Classe C busca produto popular. Mas nem tanto

Empresas estão se adaptando às novas exigências do consumidor de baixa renda, que agora quer sofisticação

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Por Márcia De Chiara
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Há uma segunda onda de consumo popular em curso, mas de itens não tão populares quanto os vendidos entre 1994 e 1996. No lugar de geladeira de uma porta, a classe C quer agora a dúplex ou com compartimento de água na porta. O tanquinho, que só bate a roupa e não torce, é coisa do passado. Os mais pobres desejam lavadora semi-automática e celular com máquina fotográfica, tocador de MP3, além de acesso do computador à internet por banda larga. Neste ano, o consumo da classe C deve atingir R$ 365 bilhões, cerca de um quarto do gasto total das famílias brasileiras, segundo projeções da consultoria Target. Em cinco anos, o consumo da classe C quase dobrou. Analistas analisam que não se trata de um novo boom de consumo popular, mas de um ciclo de expansão de vendas mais duradouro, porque tem pilares mais sólidos. A massa real de rendimento dos trabalhadores deve aumentar neste ano 5,5%, segundo projeções da RC Consultores, depois de ter crescido 4,7% em 2005 e 4,6% em 2006. A massa real de rendimentos é o resultado do pessoal ocupado, multiplicado pela renda real do trabalhador, descontada a inflação. Há dez anos, o consumo popular não contava com esse fator estrutural de ganho de renda. A explosão de venda dos itens populares, naquela época, aconteceu por causa da queda da inflação, que passou de 40% ao mês para próximo de zero. "A demanda popular por produtos mais sofisticados é uma tendência que começou no ano passado e está se consolidando fortemente", diz Ana Calderon, diretora da Consul, marca para o segmento de menor renda da fabricante de eletrodomésticos Whirlpool. Segundo ela, o poder aquisitivo desse consumidor cresceu impulsionado não só pela massa de rendimentos, mas também pelo crédito. "De 60% a 70% dos nossos produtos são vendidos a prazo." O prazo alongado do crediário fez a prestação ser compatível com a renda. Pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) revela que em julho o prazo máximo do crediário era de 36 meses, ante 24 em janeiro de 1999. Ana diz que o preço ainda é um fator importante para vender produtos para a classe C, mas observa que esse consumidor quer itens com características antes reservadas para as camadas mais ricas. Ela cita como exemplo o refrigerador com água na porta. Lançado no ano passado pela companhia, com preço abaixo de R$ 1 mil, é sucesso de vendas. Quem compra o produto é geralmente o consumidor que já tem uma geladeira adquirida há mais de dez anos, no início do Plano Real. A geladeira de duas portas é outro indicador importante de sofisticação. Em 2003, 70% das vendas eram de refrigeradores de uma porta, produto que hoje representa menos de 20%, diz Ana. Dos 20 lançamentos que a marca planeja para o ano, mais da metade é de produtos populares, com toque de sofisticação. É o mesmo caminho seguido pela Arno, fabricante de eletroportáteis e eletrodomésticos. A empresa acaba de lançar uma lavadora semi-automática com um diferencial: compartimentos para roupas delicadas e pesadas, que podem ser usados simultaneamente. Segundo a diretora de Marketing da empresa, Eliana Leonhardt, o produto foi desenhado a partir do desejo do consumidor da classe C e custa perto de R$ 500. "Cada dia se vende menos tanquinho." No primeiro semestre, a Arno cresceu 15% e o desempenho foi puxado pelos produtos mais sofisticados. A Esmaltec, segunda maior fabricante de fogões do País e especializada em vender para as classes C, D e E, percebeu a onda do consumo popular sofisticado. Neste mês, todos os fogões passarão a ter acendimento automático no forno. E a fabricante vai colocar no mercado a linha de fogões, microondas e geladeiras na cor prata. A superintendente da empresa, Annette de Castro, diz que o produto acompanha a tendência do aço escovado das marcas sofisticadas, só que é pintado. "As classes C e D têm as mesmas aspirações de consumo das demais classes. A indústria tem que fazer com que esse desejo seja alcançado." Annette diz que a companhia, com fábricas no Ceará, tem de fazer uma ginástica financeira para compatibilizar a sofisticação do produto com preço atraente. "Os custos, que envolvem aço, plásticos e compressores, têm subido. E o varejo não aceita repasses." A demanda por produtos sofisticados engloba eletrônicos, como celulares, e serviços, como acesso à internet por banda larga e TV a cabo. A coreana LG diz que a classe C está adquirindo o segundo celular, que tem de ser melhor que o primeiro, situação diferente de dois anos atrás. "Eles estão no momento de trocar de aparelho", afirma o diretor, Alexandre Jesus. Os produtos mais procurados por essa faixa da população custam entre R$ 200 e R$ 250. Os celulares mais sofisticados representam 60% dos aparelhos da empresa. Com a evolução tecnológica, o barateamento do produto e o subsídio das operadoras, em pouco tempo a classe C vai demandar conectividade e cartão de memória no celular como as classes mais ricas, prevê o diretor da LG. "A demanda da classe C por serviços de telefonia, banda larga e TV a cabo é crescente", afirma o diretor de Produtos e Serviços da Net, Márcio Carvalho. O pacote mais barato, de R$ 69,90, com TV a cabo, banda larga e telefone fixo, lançado em maio do ano passado responde por 15% das vendas da companhia, enquanto o mais caro, de R$ 300, representa 1%. "Estamos conhecendo o consumidor da classe C, que tem potencial bastante significativo." Hoje, menos de 10% dos domicílios da classe C têm computador.

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