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Coisas bastante assustadoras

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

Em setembro de 1998, o colapso do Long Term Capital Management (LTCM), um enorme fundo hedge, provocou nos mercados financeiros uma crise similar, em alguns aspectos, à que está acontecendo agora. Durante a crise de 1998, assisti a uma apresentação, a portas fechadas, de um funcionário do alto escalão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) que descreveu o estado preocupante dos mercados. "O que podemos fazer a respeito?", perguntou um participante. "Rezar", respondeu o funcionário do Fed. Nossas preces foram atendidas. O Fed coordenou um resgate do LTCM, enquanto Robert Rubin, então secretário do Tesouro, e Alan Greenspan, então presidente do banco central, garantiram aos investidores que tudo ficaria bem. O pânico desapareceu. Na quarta-feira, o presidente George W. Bush, exibindo seu vocabulário de MBA, tentou tranqüilizar os mercados de modo similar. Mas Bush está, digamos, um pouco desprovido de credibilidade. Por outro lado, não está claro se alguém poderia resolver o problema: no momento, sofremos de uma grave escassez de salvadores. Isso é péssimo, pois podemos precisar de um. O que aconteceu nos mercados financeiros nos últimos dias é algo que realmente assusta os economistas monetaristas: a liquidez secou. Ou seja, mercados de produtos normalmente negociados o tempo todo - em particular, instrumentos financeiros apoiados por hipotecas residenciais - fecharam por falta de compradores. Isso pode não passar de um breve susto. Na pior das hipóteses, contudo, poderá causar uma reação em cadeia de inadimplência. As origens da crise atual estão nas extravagâncias financeiras dos últimos anos, que, em retrospectiva, foram tão irracionais quanto a mania pontocom. A bolha da habitação foi apenas parte disso; em toda parte, as pessoas começaram a agir como se o risco tivesse desaparecido. Todo mundo já sabe da explosão dos empréstimos de alto risco, permitindo que pessoas sem as qualificações financeiras usuais comprassem casas, e da animação com que os investidores compraram títulos lastreados nesses empréstimos. Mas os investidores também devoraram dívidas corporativas de alta rentabilidade, ou junk bonds (títulos de alto risco), provocando baixas recorde no spread entre a rentabilidade desses títulos e daqueles do Tesouro dos Estados Unidos. Então, a realidade bateu à porta - não de uma vez, mas numa série de golpes. Primeiro, a bolha habitacional estourou. Depois o subprime ruiu. Então, ocorreu uma onda de apreensão dos investidores em relação aos junk bonds: há dois meses, a rentabilidade dos títulos corporativos de classificação B era apenas 2,45% mais alta que a dos títulos do governo; hoje, o spread está bem acima de 4%. Os investidores se assustaram recentemente quando a crise do subprime provocou o colapso de dois fundos hedge operados pelo banco de investimento Bear Stearns. Desde então, o comportamento dos mercados tem sido maníaco-depressivo, com ganhos ou perdas de três dígitos no índice industrial Dow Jones - a regra, e não a exceção, nas últimas duas semanas. Mas o anúncio de quinta-feira do BNP Paribas, um grande banco francês, de que suspenderia as operações de três de seus fundos talvez tenha sido a notícia mais preocupante até agora. A suspensão foi necessária, disse o banco, por causa da "total evaporação da liquidez em certos segmentos do mercado" - ou seja, não há compradores. Como já dissemos, quando a liquidez seca, pode produzir uma reação em cadeia de inadimplência. A instituição financeira A não pode vender seus títulos lastreados em hipotecas e, por isso, não consegue levantar dinheiro suficiente para pagar o que deve à instituição B, que então não possui o dinheiro para pagar a instituição C - e aquelas que têm dinheiro o seguram, pois não confiam em mais ninguém para pagar um empréstimo, o que torna as coisas ainda piores. E eis o aspecto realmente assustador da crise de liquidez: é muito difícil os políticos fazerem algo a respeito. O Fed normalmente responde a problemas econômicos baixando as taxas de juros - e, na manhã de quinta-feira, os mercados futuros estimavam em quase 100% a probabilidade de um corte de taxas pelo Fed antes do fim do mês que vem. MEDIDAS EXÓTICAS O Fed também pode emprestar aos bancos que sofrem de escassez de dinheiro: na quinta-feira, o Banco Central Europeu emprestou US$ 130 bilhões aos bancos, afirmando que ofereceria dinheiro ilimitado se necessário, e o Fed injetou US$ 24 bilhões. Mas, quando a liquidez seca, as ferramentas políticas normais perdem muito da sua eficácia. A redução do custo do dinheiro não faz muito pelos que tomam empréstimos se ninguém está disposto a emprestar. Garantir que os bancos tenham dinheiro de sobra não adianta muito se o dinheiro fica em seus cofres. Existem outras coisas, mais exóticas, que o Fed e - mais importante - o poder Executivo americano podem fazer para conter a crise se as políticas normais não funcionarem. No entanto, por variados motivos, a começar pelo histórico de incompetência do atual governo, é melhor não chegarmos a esse ponto. Esperemos, então, que esta crise passe tão rápido quanto a de 1998. Mas eu não contaria com isso.

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