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Com a crise, vão faltar 1 milhão de empregos em 2009

Seriam criados, no ano que vem, perto de 1,5 mi de postos de trabalho, para 2,5 milhões de novos trabalhadores

Por Renato Cruz
Atualização:

A desaceleração da economia brasileira  fará com que deixem de ser criados 1 milhão de empregos no próximo ano, segundo José Pastore, professor de Relações do Trabalho da Universidade de São Paulo. Com isso, não haverá postos suficientes para absorver cerca de 2,5 milhões de novos trabalhadores que irão ingressar no mercado em 2009. "A taxa de desemprego pode subir 1,5 ponto, em relação ao que esteve em outubro, chegando a 9% no fim do ano", disse Pastore.   Veja Também:  Entenda a disparada do dólar e seus efeitos Dicionário da crise  Lições de 29 Como o mundo reage à crise    O Ministério do Trabalho prevê que, este ano, serão criados 2,5 milhões de postos, como resultado de um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 5,2% ou 5,3%. "Numa conta rápida, são cerca de 500 mil postos de trabalho para cada 1 ponto de crescimento econômico", disse o professor. "Se reduzir de 5% para 3%, vai haver uma redução drástica de postos de trabalho. As pessoas que entrarão no mercado de trabalho vão se somar ao estoque de desempregados que já existe em 2008."     Seriam criados, no ano que vem, perto de 1,5 milhão de postos de trabalho, para 2,5 milhões de novos trabalhadores. "Esse número de 500 mil trabalhadores por ponto porcentual de crescimento até um pouco liberal", explicou Pastore. "As últimas pesquisas estão mostrando que, com a entrada da tecnologia, cada um ponto de crescimento está gerando mais ou menos 400 mil. A tecnologia entrou para ficar. Então, no ano que vem, o problema pode ser um pouco mais sério, com 3% de crescimento. Mas vamos ser mais liberais na estimativa."     O professor destacou que o crescimento do desemprego acaba por realimentar a crise, criando uma onda de inadimplência. "Quando a crise mostra a cara no mercado de trabalho, a cara é feia, porque provoca círculos perniciosos", disse Pastore. "O camarada perde o emprego, fica inadimplente, não paga a conta da venda, a conta da escola, do médico. O vendeiro não pode pagar a conta do seu fornecedor, e o seu fornecedor não paga a conta do agricultor. Então, o que se tem é uma bola de neve de inadimplência que acaba agravando a própria crise. É muito sério quando uma crise econômica bate no emprego."   Para Pastore, já é tarde para tomar medidas mais eficazes de incentivo ao emprego, que exigiriam mudanças na legislação. "Em geral é assim: quando a economia vai bem, a última coisa em que se pensa são inovações nas instituições do trabalho", destacou o professor. "Não se pensa em mudar a lei, a Justiça do Trabalho, as organizações sindicais, nada disso. Poderiam ter sido criados, no momento de vacas gordas, vários tipos de contratos especiais, de duração mais curta e despesas de contratação mais leves. Poderiam ter flexibilizado vários tipos de relações de trabalho, poderiam ter definido uma lei boa para fazer uma contratação decente no campo da terceirização, mas nada disso foi feito, só prometido."   Ele afirmou que uma mudança de lei demoraria pelo menos oito meses para ser votada no Congresso, quando os próximos meses da crise podem ser os mais críticos. "O que resta são medidas clássica e horríveis, como frentes de trabalho, seguro desemprego prolongado e melhoria do valor do seguro desemprego", disse Pastore. Para ele, são medidas que terão que ser tomadas, apesar de gerarem um grande déficit público sem criar trabalho digno para os desempregados.   A proposta de redução da jornada de trabalho, discutida pelo governo, pode vir a tornar o problema ainda pior: "Uma redução da jornada de trabalho sem reduzir o salário, por exemplo, de 44 para 40 horas aumentaria , em média, 10% o custo do trabalho na produção. A empresa teria necessidade de repassar esse aumento de custo para o preço, mas ela não está vendendo nem com o preço atual, porque não tem demanda. Agora, como ela vai se apresentar no mercado internacional, com uma elevação de 10% no custo do fator trabalho?"   Em muitas áreas, não haveria nem trabalhadores suficientes. "Se pegarmos, aqui em São Paulo, cinco grandes hospitais, eles têm cerca de 15 mil enfermeiras e enfermeiros. Se tiverem que contratar 10% a mais, não existem 1,5 mil enfermeiros para serem contratados. E assim vai acontecer com várias outras profissões. Uma metalúrgica no interior teria que contratar 10% de profissionais qualificados em metalurgia na cidade onde a empresa está. E não têm", disse Pastore, acrecentando que a medida seria "um tiro no pé", porque poderia destruir empregos no lugar de gerá-los. Ele destacou que medidas de redução da jornada só dão certo quando negociadas pelas categorias profissionais.   Na visão do professor, os setores mais afetados pela crise, no que diz respeito ao emprego, não são aqueles que já começaram a cortar empregos, como autopeças, construção civil e financeiro. "Os setores mais afetados devem ser aqueles voltados a exportação de commodities", explicou. "Isso não quer dizer que eles já demitiram, porque têm resistência um pouco maior, no sentido de segurar o capital humano. O setor de exportação é o que está tendo o maior baque e pode no futuro criar problemas sérios, porque tem uma cadeia produtiva muito longa." O caso da Vale, que anunciou a demissão de 1,3 mil pessoas no País, seria só o começo.     Pastore destacou que o fim da crise depende, principalmente, de dois fatores: crédito e confiança. Reconquistar a confiança na economia leva tempo, e depende de com a situação evolui nos próximos meses. "Em relação ao crédito, o governo foi bastante expedito", disse o professor. "Ele pegou quatro áreas cruciais para o emprego - agricultura, construção civil, pequena e média empresa e automóveis - e injetou o dinheiro. O problema é que, em certas áreas, como agricultura, o dinheiro não está chegando nas mãos do produtor. Os bancos estão exigindo garantias que ele não tem para dar, ou uma taxa de juros que não consegue pagar vendendo soja. Só se ele for vender cocaína. O ataque a esse problema da falta de recursos foi rápida, mas não foi eficiente, porque o dinheiro não chegou na mão de quem precisa."   Em outros setores, como o financiamento de automóveis, o dinheiro chegou aos bancos, mas o crédito não flui pela falta de confiança diante das incertezas criadas pela crise. "Não dá para criticar o banqueiro e falar: empresta na certeza de que você não vai receber", afirmou Pastore. "Eles têm acionistas e nós temos nossas aplicações lá. Todos nós estamos pendurados nos bancos."

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