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Com a pandemia, trabalhador brasileiro quer conciliar vida pessoal e profissional

Perfil ‘workaholic’ e ambição por altos cargos perdem espaço diante de demandas despertadas pela rotina em casa

Por Renée Pereira
Atualização:

A personal trainer Brenda Oliveira, de 27 anos, pediu demissão de seu emprego fixo e ficou só com as aulas particulares; a bancária Carolina de Almeida Ferraz, de 43 anos, trocou de cargo e reduziu sua remuneração; e a gestora educacional Denise Lourenço, de 41 anos, deu um basta nas reuniões intermináveis e inseriu atividades de bem-estar no seu dia a dia. Em comum, essas três mulheres decidiram criar uma rotina capaz de equilibrar vida pessoal e profissional, mesmo que significasse reduzir a renda ou diminuir a estabilidade.

Para as profissionais, os traumas da pandemia foram vitais para criar novas prioridades e compatibilizar a vida financeira com o bem-estar social. Apesar dos mais de 14 milhões de desempregados no País, elas não estão sozinhas nessa nova realidade para profissionais mais qualificados. Pesquisa feita pela consultoria de recursos humanos Randstad mostra que 81% dos brasileiros querem mais equilíbrio entre vida profissional e pessoal – acima da média global, de 67%.

Para a personal trainer Brenda, pandemia foi o momento de priorizar a vida pessoal reduzindo a carga horária de trabalho. Foto: Daniel Teixeira/ Estadão

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O resultado da pesquisa, que ouviu mais de 27 mil pessoas de 34 países, revela um fenômeno chamado pela consultoria de “great enlightenment” – ou “a grande iluminação”. Trata-se do despertar do trabalhador que deve ser percebido pelo mercado daqui para frente. “A pandemia trouxe uma nova noção de realidade, com hábitos digitais e um aprendizado constante”, diz o presidente da Randstad, Fabio Battaglia.

Segundo ele, a visão de que é necessário mudar aspectos das carreiras ocorre mais nas posições administrativas, cujo pessoal foi em peso para o home office e teve de conviver com as atividades pessoais e profissionais dentro de casa. Nas áreas operacionais, isso não ocorre ainda.

Flexibilidade é a palavra do momento

O termo workaholic, definitivamente, ficou fora de moda. Depois da pandemia e do modelo remoto, muitos trabalhadores começaram a rever seus objetivos profissionais. No início da pandemia, havia um estresse de trabalhar todos juntos num mesmo espaço. Aos poucos, os profissionais foram conseguindo se autogerenciar, até o ponto que a maioria já não quer voltar ao modelo antigo dos escritórios, diz Battaglia.

A questão é que, em casa, os trabalhadores passaram a fazer múltiplas tarefas, combinando atividades profissionais e pessoais, sem perder a produtividade. “Agora com o modelo híbrido, temem mudar essa nova rotina”, afirma o presidente da Randstad. De acordo com a pesquisa da consultoria, 92% dos trabalhadores brasileiros querem formatos de trabalho e carreiras mais flexíveis para acomodar outras atividades ao longo do dia, enquanto a média global é 76%. “Hoje, o tema mais importante é flexibilidade”, diz Battaglia.

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A bancária Carolina abriu mão de cargo comissionado por mais tempo com as filhas Leticia e Isabel. Foto: Daniel Teixeira/ Estadão

Um exemplo disso é a bancária Carolina de Almeida Ferraz, de 43 anos. Há 20 anos no setor e há mais de 10 como gerente de contas do segmento de alta renda, ela decidiu priorizar sua saúde mental e física e passar mais tempo com as duas filhas pequenas. “Foi uma decisão difícil, fiz muitas contas, mas troquei meu cargo comissionado por outro descomissionado.”

A decisão veio depois do nascimento da segunda filha e do aumento das cobranças e do nível de estresse. Segundo ela, hoje seu salário bruto é menor do que era o líquido. “Mas estou feliz, saudável e sinto que as crianças também percebem isso.” O lado bom, diz Carolina, é que ela conseguiu fazer toda essa mudança e continuar na empresa. “Mas, se tivesse de trocar de emprego para ter esse benefício, eu trocaria, sem nenhuma dúvida.”

O diretor regional e sócio da empresa de recrutamento de executivos Tailor, Gustavo Leme, destaca que essas mudanças chegaram aos níveis mais altos das corporações. Antes, diz ele, era complicado atrair candidatos de grandes centros para o interior. “Hoje, mesmo quem não tem família aceita propostas para trabalhar fora das capitais como forma de melhorar o ritmo de vida.”

Incerteza x Tempo

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Foi pensando nessa qualidade de vida melhor que a personal trainer Brenda Oliveira abriu mão de um trabalho fixo numa academia e ficou apenas com as aulas particulares. Apesar da incerteza financeira por não ter uma carteira assinada, Brenda priorizou o tempo para equilibrar sua vida pessoal. A decisão coincidiu com a chegada de sua irmã caçula, agora com dois meses de idade. “No ritmo que estava, não dava tempo nem de ver a bebe. E queria acompanhar a evolução dela.” Além disso, diz a personal, conciliar as aulas particulares com a academia tirava tempo para coisas básicas como treinar, almoçar sossegada e se cuidar. “É claro que a questão financeira é importante, mas também tenho de pensar na minha saúde e no bem-estar.  

Na avaliação de Fabio Battaglia, as empresas não estavam preparadas para essa mudança tão radical, das características profissionais ou das exigências dos trabalhadores. “Agora é que começam a se ajustar a esse novo momento.” Hoje, quando os recrutadores vão fazer uma entrevista, as exigências são muito diferentes das do passado. “Os candidatos querem saber se a empresa tem um propósito, se tem impacto na sociedade e, principalmente, se o modelo de trabalho é híbrido”, diz Leme. Segundo ele, já teve candidato que desistiu da vaga porque não havia a possibilidade do home office.

No caso da gestora educacional Denise Lourenço, a mudança no modelo de negócios das empresas para o regime de aulas totalmente online foi o que interrompeu um ciclo nada saudável de seu dia a dia profissional. Antes da pandemia, sua rotina era pesada. Acordava às 4h20 da manhã para se arrumar, pegar o ônibus fretado de Campinas para São Paulo e chegar ao trabalho às 8h. Parava às 17 horas, pegava outro fretado às 18 horas e chegava em Campinas às 20 horas. Isso ocorria de três a quatro vezes por semana. 

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“Meu corpo estava em estado de constante alerta e eu procurei um médico porque sentia muito cansaço, físico, mental, emocional e criativo. Eu estava exausta. E, mesmo assim, remarquei a consulta três vezes por falta de tempo.” Ela sabia que seu nível de stress e cansaço não se resolveriam com alguns dias de folga. “Precisava restabelecer o básico. Dormir 8 horas por noite, fazer exercícios matinais, me alimentar, fazer pausas, fazer exames.”

Segundo ela, tudo é uma questão de equilíbrio. “Não adianta ter o trabalho dos sonhos e perder a saúde com ele. E também não adianta ter todas as horas do dia para se cuidar e não conseguir pagar as contas do mês. É muito fundamental que a gente defina limites (para responder mensagens, para reuniões, para se exercitar, etc.).”

Na quarentena, a gestora educacional Denise Lourenço conseguiu interromper uma rotina pesada e nada saudável de trabalho, que começava as 4h20 da manhã e só terminava às 20h. Foto: Arquivo pessoal

Para Bataglia, da Randstad, as empresas precisam olhar as demandas por flexibilidade e desenvolvimento como uma forma de redesenhar o universo do trabalho. “O estudo mostra que os trabalhadores se sentem mais confiantes e determinados a buscar por empresas que reconheçam suas habilidades e os remunerem de acordo. Ainda há aqueles que pretendem dar passos mais ousados, como a mudança de carreira, inspirados muitas vezes por outros colegas.”

Segundo ele, é preciso construir um modelo que preza pelo equilíbrio entre vida profissional e pessoal. “Assim, é possível manter talentos mais engajados e resilientes para desenhar o futuro das companhias das quais queremos fazer parte.”

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