Sem folga no aumento de preços no atacado e com notícias negativas de clima e de recomposição de tarifas administradas, a preocupação com a inflação de 2021 é crescente no mercado financeiro, contrastando com o discurso do Banco Central (BC), de que o choque parece temporário.
Esta semana, o Boletim Focus, que reúne projeções de analistas do mercado financeiro, mostrou novo aumento na estimativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano que vem, de 3,22% para 3,40%, aproximando-se cada vez mais do centro da meta (3,75%) perseguida pelo BC. E não são mais raras as instituições que veem a inflação superando o alvo central em 2021, inclusive com estimativas em 4,0%.
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Com o resultado de 0,81% do IPCA-15 de novembro - acima da média das expectativas, de 0,72%, da pesquisa do Projeções Broadcast - pode ser novo motor para revisões. Assim, algumas casas também já começam a revisar as apostas para a Selic, a taxa básica de juros, com antecipação da normalização monetária do fim do ano para meados de 2021.
O alerta ficou mais intenso com as sucessivas surpresas dos produtos no atacado, que não têm mostrado desaceleração do forte aumento. Dentro do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) de outubro para o IGP-10 de novembro, por exemplo, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) desacelerou de 4,86% para 4,59%, com os produtos agrícolas passando de 9,51% para 9,49% e os industriais, de 2,99% para 2,58%.
O temor é que enorme encarecimento em 12 meses (33,04% do IPA, 61,02% dos produtos agropecuários e 23,66% dos industriais) ainda seja repassado ao varejo, que, no mesmo período, segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), tem alta de 4,18%. O IPCA, a inflação oficial do País, por sua vez, soma 3,92% em 12 meses até outubro.
"Não há o menor sinal de desaceleração do IPA agrícola, os repasses para o consumidor (no preço de alimentos) só devem diminuir dois a três meses depois do início do alívio dos preços ao produtor", destaca o economista Alexandre Lohmann, da GO Associados, que já projeta IPCA de 3,80% em 2021.
"Temos de entender também o tamanho do problema do clima em 2021. A Nasa divulgou uma carta recente dizendo que a América Latina estava na pior seca desde 2002", destaca.
Citando como principal fator a alimentação e o risco da La Niña, evento climático que causa mais chuva no Norte do País e seca no Sul, prejudicando lavouras, o economista Carlos Lopes, do Banco BV, elevou a projeção para o IPCA em 2021 de 3,10% para 3,60%.
Preocupação com preços administrados
Outro ponto que vem ganhando cada vez mais atenção - e preocupação - do mercado é o reajuste dos preços administrados, represados ou contidos este ano por causa da pandemia de coronavírus. Na semana passada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou um reajuste máximo de 8,14% para os planos de saúde individuais e familiares de maio de 2020 a abril de 2021.
Mas como, devido à pandemia, só pode ser aplicado a partir de janeiro, a agência sugeriu que o aumento seja parcelado entre os 12 meses do ano que vem. O problema é que, a partir de maio, novo reajuste pode ser autorizado. Com isso, o banco Credit Suisse, que já tinha projeção para 2021 acima da meta, em 3,80%, elevou a estimativa mais uma vez nesta segunda-feira (23), para 4,00%.
"Nos preços administrados, 2021 vai ser a volta dos que não foram", diz a economista Andrea Angelo, da Canvas Capital, que projeta inflação de 6,15% para o grupo e 3,50% para o IPCA.
O forte aumento autorizado pela ANS também eleva o temor com os reajustes de energia elétrica no ano que vem. Para o item, Andrea projeta aumento de 5,50% em 2021, em um cenário com bandeira verde ao longo de todo o ano. Ela lembra, ainda, que é provável ver inflação mais expressiva nos transportes públicos, que tiveram reajustes baixos em 2020 em função das eleições municipais. Ela projeta aumento de 4,0% na tarifa de ônibus interestadual (de deflação de 7,90% em 2020) e de 5,0% nos ônibus urbanos (de 1,58% em 2020). Lopes, do BV, ainda cita mudança da bandeira tarifária para a conta de luz.
JPMorgan e Barclays também destacam a dinâmica de preços administrados em suas revisões do IPCA para 3,60% no ano que vem. Na visão do economista para Brasil do Barclays, Roberto Secemski, haverá uma troca de componentes na inflação no ano que vem, com os alimentos e os comercializáveis cedendo, com a queda da demanda devido ao fim do auxílio emergencial limitando espaço para repasses, mas avanço de administrados (de 0,70% em 2020 para 5,40% em 2021) e serviços (de 1,80% para 2,90%).
"O número em si não é preocupante por ainda haver folga em relação à meta, mas a dinâmica merece atenção. Embora a gente acredite que vai acontecer menor pressão do 'coronavoucher' (o auxílio emergencial pago pelo governo), assumindo que de fato seja descontinuado, a pressão que vem dos IGPs é bastante significativa. Onde é possível está vendo reajustes atualmente. A pressão existe, a questão é se vai ter vazão em 2021", diz Secemski.
Soma-se a tudo isso a perspectiva de que o real não deve ter grande valorização no ano que vem, considerando o nível atual do câmbio, em torno de R$ 5,40. Na Canvas Capital, Andrea afirma que o risco de repasses do câmbio para a inflação ao consumidor em 2021 é alto.
Ociosidade
Algumas instituições ainda não veem motivo para se preocupar com a dinâmica da inflação e mantêm boa folga entre a projeção para 2021 e o centro da meta oficial, principalmente devido à perspectiva de que o desemprego ainda deve aumentar e a ociosidade tende a mitigar alta de preços.
Na Mauá Capital, a expectativa é que o IPCA encerre 2021 em 2,8%, mas o economista-chefe Alexandre Ázara ressalta que o pico deve ocorrer em 4,5% em meados do ano. "O aumento recente da inflação deve-se ao choque de alimentos e um pouco de materiais que ficaram sem ser produzidos no curto prazo. Não dá para ficar preocupado com inflação com desemprego de 20%, que é o valor que se encontra quando ajustamos a População Economicamente Ativa (PEA) para valores de longo prazo."
Com a revisão de IPCA, o BV também mudou as apostas de política monetária, antecipando o início da alta de juros de outubro de 2021 para agosto. A previsão é de que a Selic termine o ano em 3%, de 2% ao ano em 2020.
Secemski, por sua vez, avalia que o BC precisa ficar atento à dinâmica de inflação, mas não tem porque responder ainda com política monetária, uma vez que a recomposição vai ocorrer principalmente em administrados. Mas o Barclays já espera alta de juros a partir de agosto, com a taxa Selic terminando 2021 em 3,75% com vistas à meta de 2022 (3,50%).
Na Quantitas Asset, apesar de reconhecer maior risco em relação à dinâmica de inflação, o economista João Fernandes ainda acredita que a tendência é de desaceleração do IPCA a partir do segundo trimestre. Por isso, o movimento não deve ensejar resposta do BC no curto prazo. O cenário base de Fernandes é de alta de juros só no início de 2022.