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Com crise do coronavírus, volta do Brasil ao grau de investimento fica ainda mais distante

Para agências de classificação de risco, deterioração econômica pode afetar a capacidade do País de ajustar as contas públicas e fazer reformas

Por Douglas Gavras
Atualização:

A melhora da nota de classificação de risco do Brasil e a volta ao grau de investimento dado pelas agências de rating ficou ainda mais distante com a crise provocada pela covid-19. A avaliação de Fitch, Standard & Poor’s (S&P) e Moody’s é que o País deve sofrer com a deterioração econômica, que pode afetar a capacidade do governo para ajustar as contas públicas e implementar a agenda de reformas após a pandemia do novo coronavírus

Fitch Foto: Brendan McDermid/Reuters

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O Brasil conquistou pela primeira vez o grau de investimento ¬- uma espécie de certificado de que um país é um pagador confiável de suas dívidas – em 2008. Sete anos depois, em 2015, a S&P foi primeira a tirar o selo de bom pagador do Brasil, seguida por Fitch e Moody’s. Até o início deste ano, apesar da recuperação lenta da economia após a recessão, parecia que o rating do Brasil iria subir.

Com a crise causada pela covid-19, que chegou ao País enquanto a economia tentava superar o baixo crescimento e a crise política entre o governo do presidente Jair Bolsonaro e os demais Poderes escalava, o cenário mudou radicalmente. 

Na terça-feira, 5, a agência Fitch revisou para “negativa” a perspectiva para a nota de crédito soberano do País. “A revisão reflete a deterioração das perspectivas econômicas e fiscais e os riscos negativos de renovada incerteza política, incluindo tensões entre o Executivo e o Congresso, e incerteza sobre a duração e a intensidade da pandemia de coronavírus”, disse a agência, em comunicado.

A Fitch revisou a perspectiva para a nota, mas manteve a classificação soberana do Brasil em “BB-”. A S&P hoje também atribui nota “BB-”, e a Moody’s classifica o País como “Ba2” – as três notas abaixo do grau de investimento.

Livia Honsel, analista de ratings soberanos para a S&P, avalia que a pandemia tornou ainda mais difícil a aprovação de reformas. “Em dezembro, indicamos que havia uma probabilidade de melhora, com base em uma redução do déficit no futuro e a aprovação de reformas estruturais. Agora, com esse contexto internacional tão complexo, é difícil que o rating do Brasil melhore no próximo ano”, diz.

Ela lembra, que apesar de as agências não opinarem sobre a forma como cada governo lida com a crise do novo coronavírus, a avaliação de risco do Brasil inclui questões políticas, como as dificuldades para o País avançar nas reformas, causadas por divisões no Congresso ou oposição entre os Poderes.

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“Como em outros países, os impactos da pandemia na economia e na performance fiscal do Brasil serão graves”, diz Samar Maziad, vice-presidente e principal analista para o Brasil da Moody’s. “Esperamos uma queda do PIB de mais de 5% este ano. E vai depender do quanto o governo será capaz de manejar o aumento de gastos e voltar ao caminho da consolidação fiscal no ano que vem.”

Segundo ela, o mais importante para definir a imagem que o Brasil terá perante os investidores internacionais vai ser como o País vai conseguir aplicar os recursos usados para conter os efeitos da crise. “Ainda vai ser preciso avaliar a efetividade das medidas que estão sendo aplicadas agora.” 

No mês passado, o Indicador de Incerteza da Economia (IIE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) bateu em 210,5 pontos, o nível mais alto da série histórica, e já tinha subido 95 pontos desde fevereiro. Antes disso, o ponto mais alto havia sido atingido justamente quando a Standard & Poor’s retirou o grau de investimento do Brasil, em setembro de 2015. 

Troca de posto

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Apesar de, em público, o presidente Jair Bolsonaroter reafirmado nos últimos dias, em mais de uma ocasião, que o ministro da Economia, Paulo Guedes, era “o homem que decide a economia no Brasil”, na prática, a desidratação de pautas defendidas pelo ministro – como nos repasses de recursos aos Estados e no congelamento de salários de categorias de servidores – não passou despercebida pelo mercado.

Para as agências de risco, a presença ou não de Guedes à frente do ministério é menos relevante do que a sinalização por parte do governo de que a agenda de reformas, como a tributária e a administrativa, será mantida após a pandemia.

“É importante que o governo possa dar uma previsibilidade sobre as políticas futuras. No caso do Brasil, a questão fiscal é importante. Se a política de prudência fiscal continuar sendo a mesma, talvez uma eventual saída de Guedes não tivesse efeito algum sobre o rating”, diz Livia, da S&P.

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Para Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector, não dá para fingir que a gestão da economia vai bem. “A política econômica está travada. Do jeito que está o desenho da tributação, ninguém vai investir. As agências de risco não nos rebaixariam no momento mais agudo da crise, mas vão colocar filtros para ver como cada país vai reagir após a Covid-19.”

O economista-chefe da Necton, André Perfeito, no entanto, pondera que uma troca do ministro da Economia seria arriscada na dinâmica dos preços dos ativos, já que seria interpretada como uma virada na agenda econômica. “Hoje, o Brasil está com um problema de coordenação econômica muito forte. Toda hora, o presidente se vê obrigado a reafirmar a força de Guedes, porque há pressões do outro lado, contrárias ao ministro.”

Para Perfeito, a presença do ministro no comando da economia ainda dá algum grau de previsibilidade. “O problema é que, bem ou mal, há uma orientação de direção com Guedes e a ausência dele traria dúvidas muito grandes, desorganizaria completamente os preços dos ativos: dólar, bolsa ou juros.” 

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