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Com fábricas fechadas, produção de veículos tem queda recorde de 99,3% em abril

Resultado de abril é o pior desde que o setor automotivo começou a divulgar dados no País, em 1957; exportações recuaram 79,3% no mês passado

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A pandemia do novo coronavírus, que forçou o fechamento de todas as fábricas de veículos do País, levou o setor a registrar em abril seu pior desempenho em produção em 63 anos, quando o dado começou a ser divulgado. Saíram das linhas de montagem apenas 1,8 mil unidades, volume que, em épocas normais, é muito próximo do que a Fiat produz em um dia na fábrica de Betim (MG).

O dado de abril representa queda de 99% em relação ao mesmo mês de 2019 e também ante março passado. “Nem em períodos de greve ou de outras crises tivemos uma produção tão baixa”, diz o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes.

O estoque de veículos em abril era de 237,3 mil unidades, suficiente para quatro meses. Foto: Márcio Fernandes/Estadão

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No acumulado dos quatro primeiros meses do ano foram produzidos 587,7 mil automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, 39% menos na comparação com igual período de 2019. A exportação também teve o pior resultado das últimas duas décadas, com o embarque de 96,2 mil veículos, queda de 31% ante o primeiro quadrimestre do ano passado.

Mesmo com produção tão baixa, fábricas e revendas ainda têm 237 mil carros em estoques, suficientes para quatro meses de vendas de acordo com a atual média diária de negócios. As fabricantes estão apelando para promoções como pagamento da primeira parcela do financiamento só em janeiro de 2021 ou venda a preços de fábrica.

As vendas de veículos novos somaram 55,7 mil unidades, número 76% inferior ao de um ano atrás. No acumulado, os 613,8 mil veículos vendidos estão 27% abaixo do resultado de 2019. Só no Estado de São Paulo, que normalmente fica com 25% do total das vendas no País, a queda foi de quase 100% – de 58,7 mil unidades em abril do ano passado para 551 neste ano.

O segmento de carros usados reduziu as vendas em 84% – de 946 mil unidades em janeiro para 153 mil no mês passado. Moraes ressalta que, assim como as fábricas, a maioria das concessionárias está fechada. Várias marcas estão reforçando as vendas pela internet e entregando carros na casa do cliente.

Vendas para o exterior

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A exportação de veículos, em unidades, caiu 79,3% em abril ante igual mês do ano passado. Em comparação a março, houve queda de 76,6%. Foram 7,2 mil unidades vendidas ao exterior, em conta que considera os segmentos de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus.

No acumulado de janeiro a abril, foram 96,2 mil veículos exportados, tombo de 31% em relação a igual período do ano passado.

Em valores, as exportações atingiram US$ 252,7 milhões em abril, queda de 69,7% em relação a igual mês do ano passado e de 64,4% na comparação com março. No acumulado do ano, são US$ 2,176 bilhões em receita com vendas ao exterior, baixa de 33,5% em relação a igual período de 2019.

Instabilidade política

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A alta cambial é outro problema para as montadoras. Na opinião de Moraes, grande parte da “desvalorização exagerada” não é por problema econômico, mas político. “Agentes que deveriam estar trabalhando de forma coordenada para reduzir a crise estão prejudicando ainda mais a situação.” Segundo ele, há políticos que ainda não perceberam a gravidade dessa crise.

O executivo faz um apelo aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para que trabalhem em conjunto para que o País tenha um achatamento da curva das contaminações pelo coronavírus e, assim, poder ajudar na retomada econômica. “Todo dia tem uma crise de manhã, de tarde e de noite”, critica ele.

A instabilidade política pode inclusive prejudicar a manutenção de empregos. A maioria das empresas fez acordos de redução de jornada e salários com manutenção de empregos por cerca de três meses, mas, passado esse período, é difícil falar em garantias, diz Moraes. “Vai depender da gestão correta da crise para achatar a curva da recessão.” As montadoras empregam hoje 125,3 mil trabalhadores, 4,9 mil a menos que há um ano. 

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A Anfavea tem negociado com o governo há 40 dias uma linha de financiamento para ajudar as empresas da cadeia automotiva que, segundo a entidade, estão sem liquidez de caixa e com dificuldades financeiras.

O setor propõe dar como garantia de empréstimos os R$ 25 bilhões em crédito de tributos federais e estaduais que deveriam ter sido devolvidos às empresas mas seguem nos cofres dos governos. “Não estamos pedindo nenhum subsídio”, afirma Moraes. Ainda não há retorno por parte do Ministério da Economia. Bancos privados que participam das discussões queriam que as matrizes das empresas assumissem as garantias. Montadoras, autopeças e revendas precisam de R$ 40 a R$ 45 bilhões em capital de giro. 

Ociosidade global

Fabricantes de veículos começam a retomar a produção de forma gradual, mas ainda há 55 fábricas paradas e 95 mil trabalhadores estão em casa, informa a Anfavea. Algumas voltam a operar ao longo deste mês e outras só em junho.

Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, afirma que a entidade ainda não tem uma previsão de mercado para este ano, mas a consultoria IHS Markit trabalha com projeção de 1,8 milhão de unidades. “Significa que vamos operar com ociosidade de 3 milhões de veículos, o que é uma situação dramática.”

A IHS também projeta que, no mundo todo, haverá sobra de cerca de 20 milhões de veículos neste ano, diante das expectativas de redução da produção global de 90 milhões para 70 milhões de veículos.

Com isso, aumenta o risco de o Brasil não receber novos projetos. A competição já existia e o País, segundo Moraes, já perdia em competitividade por problemas estruturais, tributários, logísticos e por burocracia.

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“As montadoras que têm plantas nos diversos lugares do mundo, até por questão de sobrevivência vão olhar as fábricas que são mais competitivas”, afirma. “Mesmo tendo o dólar como contraponto, aumenta sim o risco de não recebermos projetos de novos veículos pois, no longo prazo, os países mais eficientes é que vão ganhar os projetos.”/COLABOROU ANDRÉ ÍTALO ROCHA