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Com Janet Yellen no Tesouro, política econômica dos EUA será ditada por quem sabe o que está fazendo

Escolha de Joe Biden para o cargo anima economistas não só por ela ter uma carreira notável no serviço público e ter sido uma pesquisadora séria; existe algo de revanche contra Donald Trump

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

É difícil extrapolar o entusiasmo dos economistas com a escolha de Janet Yellen para próxima secretária do Tesouro. Parte dessa euforia reflete o caráter revolucionário da sua nomeação. Ela não só é a primeira mulher a comandar essa secretaria, mas será a primeira pessoa a assumir todas as três posições de comando da política econômica dos Estados Unidos - como presidente do Conselho de Assessores Econômicos, do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e do Tesouro.

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E, sim, existe algo de revanche contra Donald Trump, que negou a ela um muito merecido segundo mandato como presidente do Fed, ao que consta porque achava que ela era muito baixinha.

Mas a boa notícia sobre Janet Yellen vai além da sua notável carreira no serviço público. Antes de assumir o cargo ela era uma pesquisadora séria. E, em particular, uma das figuras na vanguarda de um movimento intelectual que ajudou a salvar a macroeconomia como uma disciplina útil quando essa utilidade estava sob ataques internos e externos.

Antes de chegar a esse ponto, uma palavra sobre o tempo que ela passou no Federal Reserve, especialmente quando participou do conselho diretor da instituição, no início de 2010, antes de presidi-la.

Escolhida por Joe Biden para o Tesouro, Janet Yellen já comandou o banco central dos Estados Unidos. Foto: Lexey Swall/The New York TImes - 31/10/2017

Na época, a economia dos Estados Unidos vinha lentamente se recuperando da Grande Recessão - uma recuperação impedida, não por acaso, pelos republicanos no Congresso que fingiam se preocupar com a dívida pública impondo cortes de gastos que afetaram de maneira importante o crescimento econômico. Mas a questão dos gastos não era o único tema do debate; também eram ferozes as discussões sobre a política monetária.

Especificamente, muitas pessoas da direita condenavam os esforços do Fed para salvar a economia dos efeitos da crise financeira de 2008. A propósito, entre elas estava Judy Shelton, uma pessoa totalmente desqualificada que Trump ainda tenta colocar no conselho diretor do Fed e que, em 2009, alertou que as políticas adotadas pela instituição resultariam numa “ruinosa inflação” (o que não ocorreu).

Mesmo dentro do Federal Reserve havia uma divisão entre os que preconizavam medidas mais duras em relação à inflação e os defensores de uma política mais leniente permitindo um pequeno aumento da inflação que, no final, incentivaria o crescimento e a criação de empregos, e que o combate à depressão devia ser prioritário. Janet Yellen era um deles e uma análise feita em 2013 pelo The Wall Street Journal concluiu que, entre os articuladores políticos do Fed, ela foi a mais precisa nas previsões.

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Por que ela acertou? Parte da resposta, eu diria, remonta ao seu trabalho acadêmico na década de 1980.

Na ocasião, como já afirmei, a macroeconomia útil estava sob ataque. O que quero dizer com “macroeconomia útil” é o entendimento, compartilhado por economistas como John Maynard Keynes e Milton Friedman, de que as políticas fiscal e monetária devem ser usadas para o combate das recessões e reduzir o impacto negativo sobre as pessoas e sobre a economia.

Esse entendimento não falhou quando foi testado na realidade, pelo contrário, a experiência do início dos anos 1980 confirmou vigorosamente os prognósticos da tese macroeconômica básica. Mas estava sob ameaça.

De um lado, políticos de direita defendiam doutrinas excêntricas, especialmente a tese de que os governos podem engendrar um milagroso crescimento reduzindo impostos devidos pelos ricos. De outro lado, um número importante de economistas rejeitava qualquer papel da política no combate das recessões, afirmando que ele era desnecessário se as pessoas agissem racionalmente em seus próprios interesses, e que a análise econômica sempre devia supor que as pessoas são racionais e buscam seus próprios interesses. E mesmo um pouco de realismo sobre o comportamento humano renova a defesa de políticas agressivas para combater as recessões. Em trabalhos posteriores, Yellen mostrou que os resultados para o mercado de mão de obra dependem muito não só dos cálculos de ganhos e lucros, mas também da percepção de equidade.

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Tudo isto parece ininteligível, mas posso responder, pela minha própria experiência, que esse trabalho teve um enorme impacto sobre muitos economistas jovens, basicamente dando a eles permissão para serem mais sensatos.

E me parece que existe uma linha direta do realismo disciplinado da pesquisa acadêmica de Janet Yellen para seu sucesso como estrategista econômica. Ela sempre foi alguém que compreendeu o valor dos dados e modelos. E com efeito, a reflexão rigorosa se torna mais, e não menos, importante em tempos como estamos vivendo hoje, quando a experiência passada oferece pouca orientação sobre o que deveríamos estar fazendo. Mas ela também nunca esqueceu que a economia tem a ver com pessoas, que não são as máquinas de calcular insensíveis que os economistas às vezes querem que elas sejam.

Agora, nada disso significa que as coisas necessariamente irão de vento em popa. A corrida não é dos velozes, como o pão não é dos sábios, e tampouco o entendimento dos responsáveis pelas políticas garante o sucesso, mas o tempo e a oportunidade possibilitam tudo isto. O gabinete de governo de Trump foi um show de palhaços - possivelmente o pior gabinete na história dos EUA. Mas foi apenas em 2020 que as consequências da incompetência deste governo ficaram totalmente aparentes.

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Mas é imensamente tranquilizador saber que a política econômica será ditada por uma pessoa que sabe o que está fazendo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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