Pagamento de precatórios pode incluir imóveis da União, ações de estatais e até barris de petróleo

Proposta prevê que R$ 40 bilhões em dívidas judiciais sejam pagos em 2022; outros R$ 50 bilhões seriam adiados ou negociados com o governo com desconto ou pagamento em 'moeda alternativa', como privatizações

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Por Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli
4 min de leitura

BRASÍLIA - O acordo para a nova proposta de pagamento dos precatórios devidos pela União vai exigir a montagem de uma grande mesa de negociação de ativos que o governo quer dar em troca da quitação de R$ 50 bilhões de dívidas judiciais. Esses precatórios ficarão fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação, e não serão pagos à vista, mas poderão ter a quitação acelerada mediante acerto entre as partes.

Como o pagamento pode demorar sem essa negociação, a União ganha poder de barganha para obter acordos que hoje são considerados não atrativos, já que o credor receberá os recursos em dia sob qualquer hipótese. Diferentemente de Estados e municípios, o governo federal até hoje pagou em dia seus precatórios.

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Justamente por causa desse poder de barganha, grandes detentores de precatórios demonstram resistência a esse tipo de acordo e veem as decisões do Judiciário enfraquecidas numa negociação em que os credores seriam o lado mais fraco.

O ministro Paulo Guedes e os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco Foto: Michel Jesus/ Agência Câmara

Para aplacar as resistências, as lideranças do Congresso colocaram, de última hora, a possibilidade de esses precatórios serem pagos em dinheiro e à vista, mas com deságio de 40%, segundo fontes envolvidas nas negociações. Essa possibilidade não estava no texto inicial. Mesmo nesse caso, no entanto, a despesa ficará excluída do teto de gastos.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Advocacia-Geral da União (AGU) vão fazer esse meio de campo nas negociações. Na lista de ativos que poderiam entrar na negociação estão imóveis, liquidação de dívidas com a União, barris de petróleo do pré-sal, concessões de rodovias, ferrovias, ações da Eletrobras e dos Correios, além de outras estatais que estão na fila para serem vendidas. Ou seja, esses ativos poderiam ser adquiridos com os valores dos precatórios.

Pelo acordo, o governo só se compromete a pagar à vista R$ 40 bilhões da conta de R$ 89,1 bilhões das despesas com precatórios previstas para o ano que vem. O valor é R$ 17 bilhões abaixo do que estava originalmente previsto para a despesa com dívidas judicias em 2022.

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Para os R$ 50 bilhões de precatórios restantes, a opção dos credores é sentar à mesa de negociação com o governo ou entrar numa fila de pagamento em 2023.

Essa fila vai aumentando à medida que os anos passam, de forma que o governo acredita que haverá interesse dos credores na negociação. Um precatório emitido em 2023, por exemplo, pode acabar só sendo pago muitos anos para frente. 

“Que negociação é essa que o governo não tem nenhum tipo de coação para pagar? Vai (o dono do precatório) negociar em que condições?”, critica o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Ao Estadão, ele diz que a fixação de um limite para o pagamento dos precatórios é inconstitucional e busca diminuir o poder do Judiciário. Para ele, Executivo e Congresso querem, com a proposta, “tirar a caneta” do Poder Judiciário ao reduzir o “valor de face” das suas decisões. A OAB apoia a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que tira toda a despesa com dívidas judiciais do alcance do teto de gastos.

Entre os defensores do acordo, a leitura é outra: o Supremo Tribunal Federal (STF) teve a oportunidade de ficar com a “bola do jogo” e escrever a regra, mas abdicou dessa liderança. O próprio presidente do STF, Luiz Fux, estava participando de reuniões para viabilizar uma resolução via Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas a proposta enfrentava resistências entre os ministros da Corte e acabou perdendo força diante do acirramento de ânimos entre Executivo e Judiciário.

Apesar de o gasto com os acordos ficarem fora do teto de gastos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe consideram que a proposta traz melhoria para as contas públicas e limpeza no balanço patrimonial da União, sem pressão de gasto adicional com a parcela de precatórios que ultrapassa o limite fixado (de R$ 40 bilhões no caso de 2022). As exceções são as opções de quitar o precatório à vista com desconto de 40% e de parcelar em 10 vezes, com a primeira prestação equivalente a 15% do valor da dívida.

Segundo apurou o Estadão, Guedes considera essa flexibilização do limite de gastos uma opção melhor do que a simples retirada permanente dos precatórios do alcance do teto.

Negociação

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A avaliação dentro do governo é que haverá estímulo para os advogados buscarem a negociação e trabalharem pelo acordo, evitando a fila. O argumento é que os próprios detentores de precatórios vinham defendendo que o governo chamassem os credores para uma grande negociação. Já os credores pontuam que eles não aceitam que isso seja “imposto” pelo governo.

No caso dos grandes precatórios dos Estados, relativos às dividas do antigo Fundef (fundo para a educação extinto e substituído pelo Fundeb), o Ministério da Economia já começou a conversar com os secretários de Fazenda da Bahia, do Ceará e de Pernambuco, que detêm juntos o direito de receber R$ 16 bilhões em 2022. Um “encontro de contas” está sendo negociado, em valor próximo a R$ 10 bilhões.

Nesse acerto, o governo desconta o valor dos precatórios do saldo das dívidas que esses Estados têm com a União. O restante deve ser pago em dinheiro. O que Estados querem é que a PEC desobrigue eles da vinculação de usar os recursos em educação. Essa desvinculação, segundo apurou o Estadão/Broadcast, estará no novo texto da PEC que definirá a forma de pagamento dos precatórios.

Depois do anúncio do acordo para os precatórios, integrantes do Ministério da Economia estão sendo bombardeados com pedidos de informação sobre o desenho final da medida. Os detalhes e o novo texto da PEC não foram divulgados, e há dúvidas principalmente sobre como o governo vai registrar o resultado desses acordos no Orçamento.