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Com preços em alta nos EUA, caráter transitório da inflação global é questionado

Com o avanço da vacinação contra a covid-19 e a reabertura gradual da economia, a inflação começou a acelerar; números abaixo do esperado na geração de empregos no país também preocupam

Foto do author Iander Porcella
Por Iander Porcella (Broadcast)
Atualização:

Dados de inflação e emprego divulgados recentemente nos Estados Unidos acenderam um alerta. O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu mais do que o esperado em setembro e o relatório mensal de empregos mostrou escassez de mão de obra e aumento salarial. Quando as pressões inflacionárias começaram a aumentar no país, no começo deste ano, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) caracterizou o fenômeno como "transitório". Mas agora os próprios dirigentes da instituição têm revisto esse conceito.

"O risco de inflação está na mente de todos os investidores", resume o analista Antoine Bouvet, do ING. Durante evento na semana passada, o presidente da distrital de Atlanta do Fed, Raphael Bostic, afirmou que, no contexto atual, não parece mais ser "adequado" definir a pressão inflacionária como "breve". Ele disse que a alta de preços tem durado mais do que o previsto, devido aos gargalos nas cadeias produtivas globais e prefere chamá-la de "episódica".

Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos Foto: Jonathan Ernst/ Reuters

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Esse debate semântico sobre o caráter da inflação vista este ano no mundo começou a ganhar força ainda no primeiro trimestre. Com o avanço da vacinação contra a covid-19 nos EUA e a consequente reabertura gradual da economia, após o período de quarentena, a inflação começou a acelerar. Dirigentes do Fed se apressaram em dizer que essa pressão de preços seria "transitória" ou "temporária". Essa avaliação praticamente unânime na autoridade monetária, contudo, foi criticada por muitos economistas, incluindo o ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers.

No mês passado, o Fed parecia ter vencido o debate. O CPI de agosto, divulgado em 14 de setembro, avançou 0,3% na comparação mensal, abaixo da mediana das estimativas dos analistas ouvidos pelo Projeções Broadcast, que indicava alta de 0,4%. Mesmo que no acumulado em 12 meses a inflação ao consumidor continuasse em níveis elevados (5,3%), um processo de desaceleração do indicador parecia ter começado.

Neste mês, porém, a surpresa foi ao contrário. O CPI de outubro subiu 0,4% em relação ao mês anterior, acima da mediana do Projeções Broadcast, que previa avanço de 0,3%. No comparativo anual, o índice acelerou para 5,4%. "Não podemos nos lembrar de uma semana com tantas evidências de que nossa visão anti-transitória de inflação dos EUA no longo prazo esteja correta", afirmam analistas do Nordea. "Mas o Fed tem precedência interpretativa sobre nós", ponderam Mikael Sarwe, Andreas Steno Larsen e Martin Enlund, que assinam um relatório do banco dinamarquês.

Em geral, os especialistas dizem que a inflação é gerada, principalmente, pelos gargalos nas cadeias globais de produção, que têm restringido a oferta, em meio a uma demanda crescente. Nos EUA, há também uma escassez de mão de obra. O relatório de empregos (payroll) de setembro mostrou criação de 194 mil postos, abaixo da estimativa de 500 mil do Projeções Broadcast.

Essa dificuldade das empresas em contratar funcionários é atribuída a diversos fatores, como o medo das pessoas de se contaminar com o coronavírus no ambiente de trabalho, principalmente diante do aumento do contágio com a variante delta. Na prática, esse cenário gera pressão salarial, que pode se traduzir em mais inflação. Ou seja, os empregadores aumentam os salários para tentar atrair trabalhadores.

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"A semana passada trouxe mais notícias de que a escassez aguda de mão de obra e o aumento resultante nos salários estão rapidamente se refletindo nos componentes mais ciclicamente sensíveis do índice de preços ao consumidor", diz o economista-chefe para América do Norte da Capital Economics, Paul Ashworth. Ele destaca também que o aumento do preço petróleo, causado pela crise energética, deve se refletir ainda mais no CPI nos próximos meses.

Em relatório sobre perspectiva econômica, o Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que a alta de preços deve desacelerar em 2022, mas faz um alerta: os riscos de inflação estão inclinados para cima e podem se materializar se os descompassos entre oferta e demanda induzidos pela pandemia de covid-19 continuarem por mais tempo do que o esperado. Esse cenário, de acordo com o órgão credor, levaria a pressões inflacionárias mais sustentadas. Nesse caso, com o aumento das expectativas de inflação, os bancos centrais das economias avançadas, como o Fed, acelerariam a normalização monetária.

Diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva afirmou na última quarta-feira, 13, que a inflação elevada é algo transitório, mas que é preciso acelerar a vacinação contra a covid-19 para que a atividade econômica volte ao normal de forma mais rápida. "Enquanto existir forte divergência entre oferta e demanda nas economias avançadas, haverá pressão inflacionária", disse.

Em entrevista ao canal CNCB também na semana passada, o presidente da distrital de St. Louis do Fed, James Bullard, defendeu que a autoridade monetária comece logo a reduzir as compras de ativos, por meio do processo chamado de tapering, porque a inflação pode se tornar um problema maior e exigir uma elevação antecipada da taxa básica de juros. "Quero estar em posição de reagir a possíveis riscos de alta para a inflação no próximo ano", declarou.