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Combater a crise como ela é

Por Rogério L. Furquim Werneck
Atualização:

Saberá o governo combater a crise como ela de fato se apresenta no Brasil, recorrendo aos meios mais eficazes com que efetivamente conta? Ou se deixará levar por soluções prontas, baseadas em diagnósticos preconcebidos e descolados da realidade? No amplo espaço para equívocos, há dois grandes simplismos a evitar. O primeiro é supor que a crise é uma reedição perfeita da que se abateu sobre a economia mundial nos anos 30, a ser combatida com o receituário óbvio de um livro-texto de introdução à macroeconomia. O segundo é presumir que a crise vai assumir o mesmo formato mundo afora e que, portanto, terá de ser combatida em cada país da mesma forma. O risco de que o governo embarque no primeiro equívoco já foi mais alto, mas ainda não pode ser descartado. Nas últimas semanas não tem faltado quem alerte que, por semelhantes que pareçam ser, a crise com que agora se debate a economia mundial é muito diferente da dos anos 30. Na esteira desse alerta tem havido oportuna desmistificação de idéias desinformadas sobre que políticas de fato se mostraram efetivas no combate à crise dos anos 30. Há ampla evidência de que, nos Estados Unidos, por exemplo, as medidas adotadas pelo governo Roosevelt se mostraram muito mais eficazes pelo lado da política monetária do que pelo lado da política fiscal. A correção dos erros crassos de política monetária do governo Hoover teve impacto muito maior que os propalados estímulos provenientes da expansão de gasto público, em larga medida anulados pela elevação de impostos. Boa parte dessa evidência adveio de estudos clássicos da professora Christina Romer, de Berkeley, que agora deverá integrar a equipe econômica do presidente Barack Obama. Sua presença no novo governo certamente ajudará a conter a difusão de falsos paralelos entre a crise dos anos 30 e a atual. E isso talvez contribua para reduzir, em Brasília, o espaço para elucubrações fantasiosas sobre a real natureza da crise econômica mundial. Já o risco de que o governo resvale para o segundo equívoco parece bem mais sério. A presunção de que a crise assumirá formato semelhante nas diversas economias e que, portanto, terá de ser combatida basicamente da mesma forma em cada uma delas, pode ter conseqüências problemáticas. Medidas que são perfeitamente defensáveis e oportunas em outros países podem não fazer sentido no Brasil. É preocupante, por exemplo, a repercussão que conclamações urgentes por ações mais determinadas de combate à crise nos Estados Unidos vêm tendo em Brasília. É bem sabido que um amplo leque de formadores de opinião proeminentes, respaldados por alguns dos órgãos mais influentes da imprensa mundial, vem clamando pela adoção imediata de medidas decisivas de estímulo à economia norte-americana, que possam compensar a brutal contração de demanda agregada que nela vem sendo observada. O que se argumenta é que não há tempo a perder e nem razão para excesso de cuidados com a dosagem dessas medidas. O Tesouro norte-americano não se defronta com restrições relevantes de financiamento e a taxa real de juros anda em torno de zero. Se a expansão fiscal se mostrar excessiva, poderá ser facilmente compensada, mais adiante, com elevação da taxa de juros. Salta aos olhos que tal argumento não pode ser transposto para a economia brasileira. No contexto, o velho e impensado aforismo de Juracy Magalhães - "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil" - soa mais equivocado do que nunca. A realidade macroeconômica brasileira é bem outra. De um lado, o processo de contração de demanda tem-se mostrado, por enquanto, incomparavelmente mais benigno. De outro, o que se observa é uma taxa real de juros já bastante alta, gastos primários em trajetória insustentável de expansão há uma década e meia, restrições de financiamento fiscal bem menos favoráveis e a perspectiva de um reequilíbrio de contas externas com implicações problemáticas para a taxa de câmbio e a inflação. Definitivamente, não é o momento de o governo se deixar contagiar por pregações de expansionismo fiscal provindas do mundo desenvolvido. É preciso saber combater a crise como ela de fato se apresenta. No Brasil, não em outros países. *Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-RJ

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