A analogia é manjada, mas vamos lá: imaginemos que um ser extraterrestre apareça no Brasil e queira entender, rapidamente, como funciona o País. Para sair do lugar-comum do marciano, vamos supor que se trata de um jovem oriundo do planeta Vulcano, terra do Doutor Spock. O que dizer a ele?
O mais simples, já que ele tem voo marcado para Miami, é mostrar a PEC dos Precatórios. Ela é cara do Brasil. O primeiro ingrediente é uma restrição legal, de duvidosa eficácia, que limita a expansão dos gastos públicos. Acresça-se um governo fraco, contaminado pelo vírus da irrelevância, cuja incompetência endêmica conduziu à inércia. Garantir uma dotação generosa para as emendas parlamentares é a forma disponível para assegurar uma Câmara menos belicosa. Também a eleição de 2022 tem lá suas exigências.
A queda da inflação no próximo ano está condicionada a um crescimento irrisório do Produto Interno Bruto (PIB), o que pode agravar a questão do desemprego. A solução embutida na PEC é a formalização do Auxílio Brasil, lídimo representante do mais escancarado populismo. Não vai encantar os eleitores, mas pode evitar o apodrecimento do que resta da popularidade de Bolsonaro.
Como pagar por isso tudo? Duas soluções bem brasileiras. A primeira é incluir uma regra de calote na Constituição, tirando proveito do nosso talento para a contabilidade criativa. Precatório é uma dívida não mobiliária do setor público. Não é computada no cálculo da relação dívida/PIB, porque não é denominada em títulos. A PEC usufrui dessa sutileza contábil e cava um espaço no orçamento. O segundo artifício é a mudança no cálculo da inflação que regula o limite do teto. Aqui nosso amigo extraterráqueo haverá de reconhecer a malemolência brasileira. Quando o teto foi criado, a inflação estava caindo e valia a pena calcular a variação acumulada até junho – isso dava mais folga para gastar. Agora, com a inflação subindo, é melhor considerar o ano-calendário e elevar o teto.
A PEC reúne em um só ato muitos dos nossos hábitos e condutas. Não é simples diagnosticar o nosso atraso. Toma muito tempo entender por que nesse pedaço do planeta que ocupamos não somos capazes de organizar um arcabouço institucional capaz de promover crescimento econômico com inclusão social. Nosso amigo forasteiro talvez tenha mais chance. A expectativa de vida para os nascidos em Vulcano é de 240 anos. Resta saber se ele terá paciência.
*Economista, foi Diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP. Email : luiseduardoassis@gmail.com