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Como foi mesmo esse maior negócio do mundo?

Por Marco Antonio Rocha
Atualização:

Tendo o presidente Lula proclamado que a capitalização da Petrobrás foi "o maior negócio da história do capitalismo mundial", é obrigatório que a gente se debruce sobre o assunto. Ele deve saber o que diz, pois, como ex-sindicalista, conhece profundamente a história do capitalismo, apesar de sabermos da sua conhecida tendência de hiperdimensionar quase tudo o que ocorre no seu governo e subdimensionar quase tudo o que ocorreu nos governos dos outros - desde a invenção da República moderna.É necessário, por isso, ir atrás de detalhes de acontecimento tão importante para a maioria dos brasileiros, principalmente para os que são, ou pretendem ser, acionistas da "segunda maior petroleira do mundo", conforme trombetearam jornais com base nos R$ 120 bilhões alegadamente arrecadados na oferta de ações da gigantesca financiadora da propaganda de si mesma e do governo nos canais de televisão, nas rádios e na imprensa em geral. Aliás, é sempre oportuno lembrar que, se a Petrobrás reduzisse um pouco esses gastos não tão necessários - uma vez que não tem nenhum competidor no Brasil -, talvez pudesse vender um pouco mais barato seus combustíveis e insumos, em benefício do conjunto da economia. Mas esse é um tema para outra ocasião.No momento o grande esforço de qualquer jornalista deve ser no sentido de explicar em linguagem inteligível a formidável capitalização da Petrobrás.É o seguinte: dos R$ 120 bilhões, um pouco mais de R$ 74 bilhões vieram, ou virão, do setor público (Tesouro, BNDES, Caixa, Banco do Brasil, fundos de pensão de funcionários, etc.). O restante, que de fato representa dinheiro em caixa, sai do setor privado (nacional ou estrangeiro, bancos, fundos, empresas, pessoas físicas, etc.).Aqueles R$ 74 bilhões do setor público equivalem à "cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo" que a União, maior acionista da Petrobrás, detém como dona de uma parcela do petróleo descoberto pela empresa, no pré-sal ou fora dele. Então, a União como que empresta para a Petrobrás os 5 bilhões de barris da sua parte no petróleo, que passam a integrar o capital da Petrobrás. Com o capital assim aumentado, a relação dívida/patrimônio da empresa - que já estava mais ou menos no limite, dificultando que a Petrobrás tomasse empréstimos para explorar o pré-sal - melhora, elevando o potencial de endividamento de empresa.Mas esse empréstimo virtual, de 5 bilhões de barris de petróleo que estão no fundo do poço, se materializa num empréstimo real de R$ 74 bilhões em títulos do governo, que a Petrobrás pagará ao longo dos anos, à medida que for vendendo os barris de petróleo ou apurando mais lucros do que hoje em dia.Bom, essa é a operação em si, contada pelo governo e pelos jornais. E, caros leitores, é uma história que decorei para contar aos leitores - repetindo o que diz meu colega Rolf Kuntz. Mas ficarei embaraçado se me perguntarem se entendi.Sim, porque há coisas que não estão explicadas direito ou só poderão ser explicadas quando forem desvendadas e exploradas as tais reservas do pré-sal.Uma delas é como foi que se chegou à conclusão de que os 5 bilhões de barris da tal "cessão onerosa" valem R$ 74 bilhões. Firmas de consultoria estimaram o preço dos barris entre US$ 5 e US$ 12, o que na média dá US$ 8,5 - que, multiplicado por 5 bilhões, dá US$ 42,5 bilhões ou mais ou menos os tais R$ 74 bilhões, com o dólar, digamos, a R$ 1,74. Mas houve um outro cálculo que levou em conta a quantidade e os preços do petróleo que haveria em cada uma das seis áreas a serem exploradas e cuja média ponderada daria US$ 8,51 o barril, curiosamente, quase a mesma coisa da estimativa feita pela média aritmética simples. Mas tanto num caso quanto no outro o preço é pura ficção.É que nas sete áreas de reservas marítimas que justificaram a gigantesca engenharia financeira só foi feito um furo até agora, cabendo então perguntar: qual a garantia de que dali se poderá extrair os 5 bilhões de barris que a Petrobrás "comprou" da União na operação, mais os que serão propriedade dela?Finalmente, há que mencionar as nebulosas condições de exploração do pré-sal: quem disse que tirar petróleo de 8 mil metros de profundidade terá custos suportáveis pelos preços por que se consegue vendê-lo? Quem disse que os desafios tecnológicos já estão todos resolvidos, mesmo que a Petrobrás seja especialista em águas profundas? Quem disse que os riscos do empreendimento são previsíveis, depois do que aconteceu no Golfo do México? Quem disse que vai ser fácil e barato encontrar seguradoras para arcar com esses riscos?Tantas incertezas deveriam afastar, e não atrair, investidores privados. Mas é que não são investidores. São jogadores do cassino financeiro moderno. E, no momento, só estava aberta no salão a "mesa" Petrobrás. Amanhã irão para outra.Quanto ao maior negócio da história do capitalismo mundial, foi o dinheirinho de fretamento do Mayflower, o navio que levou um punhado de ingleses para a Nova Inglaterra, nos EUA, e que deu, de "lucro", a mais pujante economia do planeta.JORNALISTAE-MAIL: MARCOANTONIO.ROCHA@GRUPOESTADO.COM.BR

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