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Como o pleno emprego se tornou o lema de Washington

Legisladores estão ansiosos para retornar ao período de baixo desemprego que antecedeu a pandemia e estão menos preocupados do que em épocas anteriores com o aumento da inflação e o endividamento

Por Jeanna Smialek
Atualização:

Enquanto o presidente eleito Joe Biden se prepara para assumir o cargo nesta semana, sua equipe e o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) apontam para uma meta econômica significativa: fazer o mercado de trabalho voltar ao ponto em que estava antes da pandemia.

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O cenário que existia 11 meses atrás - com 3,5% de desemprego, participação estável ou crescente da força de trabalho e salários cada vez maiores - acabou sendo uma receita para levantar todos os barcos, criar oportunidades econômicas para grupos há muito marginalizados e reduzir as taxas de pobreza. E os aumentos de preço permaneceram administráveis e até mesmo um pouco negativos. Isso contrasta com os esforços para empurrar os limites do mercado de trabalho na década de 1960, que são amplamente responsabilizados por estabelecer as bases para a inflação galopante.

Então, a pandemia interrompeu o teste em execução e os esforços para conter o vírus levaram o desemprego a disparar para níveis nunca vistos desde a Grande Depressão. A recuperação foi interrompida por novas ondas de contágio, mantendo milhões de trabalhadores afastados e causando o recomeço da perda de empregos.

Pessoas esperam para receber doações de alimentos em Nova York. Retorno a um mercado de trabalho aquecido émeta central dos legisladores. Foto: Mohamed Sadek/The New York Times

Os legisladores de todo o governo concordam que um retorno a esse mercado de trabalho aquecido deve ser uma meta central, uma mudança notável desde a última expansão econômica e que poderia ajudar a configurar a recuperação econômica.

Biden deixou claro que seu governo se concentrará nos trabalhadores e escolheu uma equipe experiente e com foco no mercado de trabalho. Janet Yellen, economista e ex-presidente do Fed, será a secretária do Tesouro e Marty Walsh, ex-líder sindical, o secretário do Trabalho.

No passado, legisladores e funcionários do Fed tendiam a pregar lealdade ao pleno emprego - a menor taxa de desemprego que uma economia pode sustentar sem alimentar uma inflação alta ou outras instabilidades - enquanto retiravam o apoio fiscal e monetário antes de atingir essa meta, pois temiam que uma abordagem mais paciente causasse picos de preços e outros problemas.

Essa timidez parece menos provável de ser vista desta vez.

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Biden assume o cargo enquanto os democratas controlam a Câmara e o Senado e em um momento em que muitos políticos estão menos preocupados com a possibilidade de o governo assumir dívidas graças aos custos de empréstimos historicamente baixos. E o Fed, que tem um histórico de aumento das taxas de juros à medida que o desemprego cai e o Congresso gasta mais do que arrecada em impostos, comprometeu-se a ter mais paciência desta vez.

“Pesquisas econômicas confirmam que com condições como a crise atual, especialmente com taxas de juros tão baixas, tomar medidas imediatas - mesmo com financiamento do déficit - vai ajudar a economia, a longo e curto prazo”, disse Biden em entrevista coletiva em 8 de janeiro, destacando que uma ação rápida “reduziria as cicatrizes no mercado de trabalho”.

Jerome Powell, presidente do Fed, disse na quinta-feira que sua instituição está fortemente focada em reestabelecer as taxas de desemprego mais baixas.

O presidente eleito Joe Biden nomeou altos funcionários com foco no mercado de trabalho. Foto: Amr Alfiky/The New York Times

“Isso é realmente no que estamos mais focados - voltar a um mercado de trabalho forte com rapidez suficiente para que as vidas das pessoas possam voltar para onde elas querem”, disse Powell. “Estávamos em um bom lugar em fevereiro de 2020 e achamos que podemos voltar para aquele ponto, eu diria, muito mais cedo do que temíamos”.

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O cenário está armado para um experimento macroeconômico, que testará se grandes pacotes de gastos do governo e políticas do banco central favoráveis ao crescimento podem trabalhar juntos para promover uma recuperação rápida que inclua uma ampla faixa de americanos sem ficar sujeito a efeitos colaterais prejudiciais.

“O que acontece com o Fed é que realmente ele é a maré que levanta todos os barcos”, disse Nela Richardson, economista-chefe do processador de folhas de pagamento ADP, explicando que o banco central focado no trabalho pode estabelecer as bases para um crescimento robusto. “O que a política fiscal pode fazer é atingir comunidades específicas de uma forma que o Fed não consegue”.

O governo gastou prontamente para apoiar a economia diante da pandemia e os analistas esperam que mais ajuda esteja a caminho. A equipe de Biden sugeriu um ambicioso pacote de gastos de US$ 1,9 trilhão.

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Os dirigentes do Fed agora são muito mais modestos quanto a julgar se a economia está ou não em "pleno emprego". No rastro da crise de 2008, eles pensavam que o desemprego estava testando seus limites saudáveis, mas o desemprego continuou a cair drasticamente, sem alimentar aumentos de preços descontrolados.

Em agosto de 2020, Powell disse que ele e seus colegas agora se concentrarão nas “limitações” do pleno emprego, ao invés de “desvios”. A menos que a inflação esteja realmente aumentando ou os riscos financeiros aumentem, eles verão a queda do desemprego como um desenvolvimento bem-vindo e não um risco a ser evitado.

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Isso significa que as taxas de juros provavelmente permanecerão próximas de zero por anos. Dirigentes do Fed também sinalizaram que esperam continuar comprando grandes somas de títulos de dívidas apoiados pelo governo, cerca de US$ 120 bilhões por mês, pelo menos nos próximos meses.

O apoio do Fed pode ajudar os gastos do governo a acelerar a demanda. Espera-se que as famílias acumulem grandes reservas de poupança ao receberem cheques de estímulo no início de 2021 e, depois, saquem esse dinheiro conforme as vacinas sejam administradas e a vida econômica normal seja retomada. Taxas baixas podem dar espaço a grandes investimentos - como casas - mais atraentes.

Muitos políticos estão menos preocupados com os empréstimos do governo graças a taxas de juros historicamente baixas. Foto: Erin Schaff/The New York Times

Ainda assim, alguns analistas alertam que as políticas de hoje podem resultar em problemas futuros, como inflação galopante, tomada de risco do mercado financeiro ou uma dívida pendente prejudicial.

Existem razões para acreditar que desta vez seja diferente. A inflação está baixa há décadas e permanece contida em todo o mundo. A relação entre desemprego e salários e salários e preços tem sido mais tênue do que nas últimas décadas. Do Japão à Europa, o problema do momento são os fracos benefícios de preços que prendem as economias em ciclos de estagnação ao erodir o espaço para cortar as taxas de juros em tempos de crise, e não a inflação excessivamente rápida.

E os economistas dizem cada vez mais que, embora possa haver custos de longos períodos de política fiscal e monetária favorável ao crescimento, também há custos ao ser cauteloso demais. Pisar no freio em uma expansão do mercado de trabalho mais cedo do que o necessário pode deixar os trabalhadores que teriam recebido um impulso de um forte mercado de trabalho à margem.

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O período anterior à pandemia mostrou exatamente o que uma definição de política excessivamente cautelosa corre o risco de perder. Em 2020, o desemprego de negros e hispânicos caiu para níveis históricos. A participação dos trabalhadores em idade avançada, que se esperava que permanecesse constantemente fraca, na verdade, aumentou um pouco. Os salários estavam subindo mais rápido para os que ganham menos.

Não está claro se 3,5% de desemprego será o nível exato que os EUA voltarão a atingir. O que está claro é que muitos legisladores querem testar do que a economia é capaz, em vez de adivinhar antecipadamente uma combinação mágica para o sucesso./ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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