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‘Compliance não é remédio para empresa corrupta’

Para jurista, empresas avançaram em práticas de governança, mas raiz do problema é estrutural e passa por reforma do Estado

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Por Anna Carolina Papp
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Apesar de ter despontado como uma das grandes ferramentas no combate ao desvio de recursos, o compliance por si só não é suficiente para estancar a corrupção e instaurar uma cultura de boas práticas, avalia o jurista Modesto Carvalhosa. Para ele, o compliance só faz efeito em empresas “desorganizadas, porém honestas”. No caso de empresas com “tradição corrupta”, não há saída senão trocar todas as cartas marcadas. O especialista enaltece os avanços ocorridos pós-Lava Jato, mas afirma que a luta contra a corrupção, que ele considera estrutural, passa necessariamente por uma nova Constituição. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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O sr. endossa o coro de que a Lava Jato foi um divisor de águas para o combate à corrupção no País? Concordo, porque ela realmente criou métodos de eficiência. Tem agido com maior celeridade, trazido recursos desviados de volta para o País, o que é importantíssimo. É um paradigma internacional de combate à corrupção.Com tantos escândalos envolvendo grandes empresas, as companhias de fato avançaram nas práticas de compliance? Muito. Houve um grande progresso de compliance no Brasil nos últimos anos, como fruto dessa campanha contra a corrupção. E o compliance vale muito não só no ambiente da empresa. Isso vale para toda a cadeia, desde a contratação de um fornecedor, uma empreiteira, uma seguradora.

Como fazer com que as empresas vejam o compliance não só como uma forma de evitar multas, mas sim como uma cultura? Pode até parecer estranho o que eu vou dizer. Mas como aponta um estudo do (Alexandre) Di Miceli, compliance serve para empresas honestas, e não para empresas corruptas. Não adianta colocar compliance em empresas que têm tradição de corrupção. Elas ou têm de ser dissolvidas, ou seu controle tem de ser vendido ou seus administradores têm de ser inteiramente trocados. Compliance só tem efeito em empresas que são desorganizadas, que têm problemas, não sabem muito bem o que é ética empresarial – mas que agem no mundo dos negócios de uma maneira regular. O compliance por si só não é um remédio para acabar com a corrupção, de maneira alguma.

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E as empresas que fizeram acordo de leniência? Eu não acredito nos compliances que são fruto de acordo de leniência. Eles realmente foram feitos, mas ali havia uma obrigação. As famílias que dominaram por gerações essas empreiteiras, por exemplo, continuam no controle delas, não vão mudar cultura nenhuma

Qual a sua avaliação sobre a Lei Anticorrupção? Praticamente não foi aplicada no Brasil. Ela ainda não “pegou” por falta de cultura, no sentido de hábito da sua aplicação. Mas, apesar dos defeitos, é uma boa lei.

A corrupção vem do governo, das empresas ou é sistêmica? Ela é estrutural. A estrutura do Estado no Brasil facilita a corrupção, que é a apropriação privada de recursos públicos. Isso além da corrupção criminalizada, que são os crimes contra a administração pública.

Nesse sentido, o fim do financiamento empresarial de campanha faz diferença? Essa medida foi excelente, uma das melhores coisas que ocorreram no sentido de combater a corrupção no Brasil. Mas é preciso acabar com o fundo partidário, que é um escândalo. Os partidos têm de ser financiados pelos seus integrantes e seus simpatizantes. Outro ponto são as candidaturas independentes – mas isso está parado no STF. A única maneira de o Brasil oxigenar as eleições seria permitindo candidatos independentes.

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No mês passado o sr. lançou o livro ‘Da Cleptocracia à Democracia em 2019’. Como ele se relaciona com o momento atual?Cleptocracia, do grego, quer dizer “governo de ladrões”. O livro aponta sugestões para se criar um Estado que deixe de impedir a nação de trabalhar, se desenvolver, ter empresas, ser produtivo. Apresentamos um projeto de governo voltado para uma nova Constituição que transforme a estrutura do Estado brasileiro, que hoje dá todos os caminhos da corrupção, por defender grupos de interesses.

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