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Devolução de concessões de rodovias e aeroportos trava investimentos previstos para infraestrutura

Sete das nove concessões de rodovias e aeroportos que foram devolvidas ainda não têm previsão para um novo leilão; a maior parte dos investimentos de R$ 45,5 bi previstos em contrato foi suspensa

Por Renée Pereira
Atualização:

Leiloadas num período de extrema euforia com a economia brasileira, nove concessões de rodovias e aeroportos enfrentam um demorado e complexo processo de relicitação para por fim a um ciclo de prejuízos envolvendo empresas, consumidores e a União. Alguns ativos foram devolvidos há mais de dois anos e ainda não têm expectativa de um desfecho final. Enquanto isso, boa parte dos R$ 45,5 bilhões de investimentos previstos durante as concessões está suspensa.

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O Aeroporto do Galeão foi o último a integrar esse grupo. Em fevereiro, depois de muitas tentativas, mudança acionária e negociações com o governo, a concessionária sucumbiu aos problemas e entrou com pedido de devolução amigável do terminal. 

Antes dele, concessões como Via-040 (BR-040), MS Via (BR-163/MS), Concebra (BR-060/153/262), Autopista Fluminense (BR-101/RJ), Rota do Oeste (BR-163/MT), Rodovia do Aço (BR-393), Aeroporto de Viracopos e São Gonçalo do Amarante (RN) já haviam feito a devolução dos ativos. A lista não deve parar por aí. Segundo fontes do mercado, outras empresas aguardam o avanço da modelagem para avaliar se entregam seus ativos para relicitação 

A situação atual começou a ser desenhada entre 2007 e 2013, quando o Brasil era a grande promessa entre os emergentes. Em 2009, o País era capa da The Economist com o Cristo Redentor decolando, o que aumentou o entusiasmo com os negócios brasileiros. Nesse cenário, o governo carregou nas previsões de crescimento e as empresas, nos lances para arrematar ativos em leilão. 

Concessionária que administra o Aeroporto do Galeão, no Rio, fez pedido para devolver concessão em fevereiro Foto: Wilton Junior/Estadão

Nos aeroportos, os ágios chegaram a 600%, com outorgas bilionárias a serem pagas ao governo. Nas rodovias, a fórmula era quem conseguia fazer todas as melhorias com a menor tarifa possível. E, como se fosse uma tarefa fácil, alguns conseguiam reduzir 60% do valor inicial dos pedágios. Na época, mesmo num cenário positivo, os lances foram considerados ousados e levantaram dúvidas sobre a capacidade de as empresas cumprirem o bilionário cronograma de investimentos.

No meio do caminho, o País mergulhou numa das piores crises da história e todas as projeções foram por água abaixo. Em vez de crescer, a demanda encolheu, provocando um descasamento entre a receita e os pesados investimentos a serem feitos. No caso dos aeroportos, além dos investimentos, as outorgas aceitas pelos investidores para pagar à União eram exorbitantes. As empresas tentaram um reequilíbrio dos contratos, mas, para muitos, esse era o risco do negócio. A solução foi criar uma lei que permitisse a relicitação, o que ocorreu no governo de Michel Temer, em 2017.

Se num processo de concessão normal, o prazo é alto, numa relicitação as dificuldades são ainda maiores. Depois do processo de devolução junto às agências reguladoras, é preciso assinar um termo aditivo com prazo de 24 meses para a realização dos estudos, audiências públicas, análise do Tribunal de Contas da União (TCU) e preparação do edital, diz a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério de Infraestrutura, Natália Marcassa

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No caso da Via 040, primeira a ser devolvida, em 2019, o tempo não foi suficiente e um novo aditivo teve de ser assinado. Segundo Natália, a expectativa é que o processo seja enviado ao TCU no mês que vem e, se tudo correr bem, seria possível fazer um leilão no último trimestre.O Aeroporto São Gonçalo do Amarante está dentro do prazo e poderia ser relicitado entre julho e agosto. Nas demais concessões, as previsões apontam para 2023.

Entrave a ser superado

 Um dos principais desafios do processo de relicitação é encontrar um ponto de consenso em relação às indenizações dos atuais concessionários. Como eles já fizeram investimentos e entregaram a concessão antes do fim do contrato, os valores não foram amortizados e têm de ser reembolsados. “É preciso saber se vai haver um fatiamento das indenizações ou se o valor seria quitado inteiramente”, diz o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, Marco Aurélio Barcelos.

A opção que vem sendo trabalhada pelo governo é a de fazer o pagamento logo após a relicitação do valor incontroverso, aquele em que ambas as partes concordam que é devido. O valor controverso, em que não há consenso, seria discutido em arbitragem, diz a secretária do Ministério de Infraestrutura. “Acredito que todos irão para arbitragem.”

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As concessionárias, no entanto, não se sentem confortáveis com a decisão, o que estaria ajudando a esticar os prazos para a relicitação. Segundo Barcelos, o receio das empresas é receber o valor incontroverso e ficar anos discutindo sobre o restante da indenização. “Além disso, elas terão de receber o montante do erário. Isso significa que o pagamento pode ser por meio de precatórios, o que traz incertezas.”

Modelagem

A tendência é de que o dinheiro arrecadado em outorga vá direto para o pagamento do concessionário antigo. Por isso, a modelagem tem de estar bem calibrada. Se o valor da outorga for muito alto, os investidores podem não ficar tão atraídos pelo ativo. Se for baixo, faltará dinheiro para pagar a indenização. No caso do Aeroporto de Viracopos, por exemplo, a secretária do Ministério da Infraestrutura diz que o valor de outorga seria da ordem de R$ 3,8 bilhões, que teriam de ser pagos na assinatura do contrato.

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O pedido de devolução doAeroporto de Viracopos foi feitoem março de 2020 Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão

Para Natália, todo esse processo traz uma lição importante que não pode ser ignorada nos próximos leilões: a conta precisa fechar. “Não fosse a nova lei de relicitação, o destino dessas concessões seria a caducidade dos contratos – ou seja, os ativos voltariam a ser administrados pelo governo e o prejuízo poderia ser maior.”

Ela afirma que, por se tratar de um processo novo, existe uma curva de aprendizagem. O termo aditivo, por exemplo, teve de ser construído para esses casos específicos. “As primeiras estão demorando mais porque queremos fechar uma jurisprudência para todos os demais processos no TCU.”

Além disso, todos os ativos devolvidos precisam de uma nova modelagem para atrair as empresas. Investimentos e outorgas precisam ser redefinidos. No caso da BR-040 (Via 040), o trecho será dividido em duas concessões. Em São Gonçalo do Amarante, a outorga será paga no início da concessão e não ao longo do contrato como ocorria no passado, destaca a secretária.

Precarização

Para o advogado André Luiz Freire, do escritório Mattos Filho, o objetivo é sair do processo sem prejuízos e evitar que haja uma precarização dos serviços, afetando o usuário (a interrupção dos investimentos já é um prejuízo para a sociedade que poderia ter estradas melhores). Ele entende que a relicitação em si é demorada pelos vários trâmites a seguir. “São contratos de longo prazo. É preciso estimar bem receitas e investimentos, para não gerar mais custos.” 

O sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, Ricardo Levy, diz que a maioria dos ativos devolvidos é viável economicamente. “Eles são inviáveis do jeito que foram leiloados. Quando forem relicitados, serão entregues zerados, sem os esqueletos do passado.” O lado bom é que os investidores já conhecem as concessões, os gargalos e os problemas. 

A expectativa é que as licitações tenham um desenho diferenciado de acordo com as características individuais para tornar o ativos mais atrativo. Na avaliação de Mauro Penteado, sócio da área de Infraestrutura do escritório Machado Meyer, a demora no processo ter a ver com isso, com a execução. Muita coisa está tendo de ser regulada ao longo do processo. “É como trocar o pneu do carro com ele andando. É natural que os primeiros processos sejam mais lentos.” Na avaliação dele, o conceito de devolução criado em 2017 é bom, pois evita um processo traumático de caducidade.

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Para o sócio da Una Partners, Daniel Keller, a relicitação é, de fato, uma saída menos custosa. Mas ele vê um cenário desafiador para colocar alguns projetos em leilão neste ano. Além de ter ainda uma série de amarras e interesses difusos no processo, o cenário macroeconômico é desafiador, diz o executivo. “Temos muitas instabilidades neste ano, com eleições e um ambiente de inflação mais alta.”

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