Concluir o ensino médio garante R$ 212 de renda extra

Cálculo considera alta de rendimento com conclusão do ciclo; especialistas cobram ação coordenada de governos

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Por Idiana Tomazelli
3 min de leitura

BRASÍLIA | O risco de aumento na evasão de alunos no último ano do ensino médio devido à suspensão das aulas durante a pandemia da covid-19 ameaça um importante fator que assegura a esses jovens uma renda maior no emprego. Trata-se do “efeito-diploma”, que garante sozinho um incremento médio de R$ 212 no rendimento mensal a quem tiver o certificado do ensino médio na mão, segundo estimativas do economista Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper.

Janaína queria entrar na faculdade ainda em 2020 Foto: Janaina Santos Silva/Estadão

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Até a conclusão do ensino médio, cada ano adicional de estudos é capaz de assegurar um incremento médio de R$ 70 à renda. Mas os anos de conclusão de fases da educação básica têm maior peso, por isso o chamado “efeito-diploma”. No ensino superior, o impacto é ainda mais expressivo e capaz de dobrar a renda média do trabalhador.

A evasão escolar já era maior entre jovens de 15 a 17 anos antes da pandemia. Com a crise e a necessidade de complementar a renda da família, especialistas temem que a suspensão das aulas presenciais tenha significado para os mais vulneráveis desse grupo o abandono em definitivo dos estudos. Por um momento, esses jovens não só deixarão de usufruir do “efeito-diploma”, mas também ficarão longe da porta de entrada do ensino superior.

“Quando você fecha escolas durante todos esses meses, provavelmente alguns jovens não vão voltar, então vão ter menos anos de escolaridade. E isso significa menos produtividade, menos crescimento do PIB”, afirma Menezes Filho.

Exemplo dos EUA

O economista cita um estudo feito por economistas americanos sobre a epidemia de poliomielite em 1916 nos EUA, que teve mais de 23 mil infectados e também levou ao fechamento de escolas. O artigo concluiu que jovens entre 14 e 17 anos na época da doença chegaram a 1940 com menor escolaridade do que a geração anterior. O efeito seria equivalente a um adolescente de 14 anos ter um ano a menos de educação formal.

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Para ele, a mesma lógica na situação atual não deve resultar em um efeito dramático, uma vez que os jovens podem cursar no futuro um ensino técnico ou supletivo para compensar as perdas. “Mas certamente algum efeito vai ter. A geração que está na escola agora vai ter mais desigualdade, porque os mais ricos estão tendo aprendizado muito mais atualizado no dia a dia do que os mais pobres, que não têm internet”, afirma.

O doutor em Educação Gregório Grisa, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), defende que os governos façam uma busca ativa dos alunos que são mais vulneráveis e apresentam maior tendência de abandonar a escola na situação atual. A ideia seria justamente rastreá-los para trazê-los de volta ao ambiente escolar. “Não há como não ter diálogo. Os secretários (estaduais e municipais) de Educação são parte do processo, mas não exclusiva. Tem de ter a saúde, a educação (MEC) e outros setores envolvidos”, afirma Grisa.

“A nossa dificuldade é articulação. A gente não tem planejamento estratégico junto a Estados e municípios independente de ciclos políticos”, critica o economista Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Públicas da MAG Seguros e ex-secretário de Educação Superior do MEC. Para ele, é preciso traçar um plano de recuperação das aulas, que inclua até mesmo o uso de redes de rádio e TV para chegar a localidades sem conexão à internet.

Em Portugal, até o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, professor de formação, gravou videoaulas transmitidas pela emissora pública de televisão. “O efeito de longo prazo da perda de aprendizado em determinado momento pode ser danoso”, alerta Lima.

Esforço 

A expectativa de Janaina Santos Silva, de 17 anos, era ingressar na faculdade ainda no segundo semestre deste ano para estudar Relações Internacionais. A pandemia atrapalhou os planos da jovem, que não pode contar com a opção de fazer aulas online para tentar uma bolsa de estudos ou faculdade pública. Também sem conseguir um emprego para pagar a faculdade, o sonho do diploma precisou ficar para depois.

“Ano que vem, eu dependo do Sisu e do ProUni para entrar na faculdade”, diz a jovem, que se formou no ensino médio no ano passado. Moradora da Penha, bairro da zona Leste de São Paulo, ela tem dividido as horas no computador entre terminar o trabalho de conclusão do curso técnico de administração e estudar por conta própria para o Enem

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Ela tentou se inscrever em cursinhos populares, mas as vagas limitadas e a falta de uma estrutura adequada para estudar foram obstáculo. “As aulas são todas online e, com a pandemia, ficaram mais disputadas. Além disso, o ambiente em casa não é muito propício para os estudos e, com isso, acabo me desconcentrando fácil.”

Atualmente, Janaina mora com os pais e mais duas irmãs. “Temo que o esforço não seja o bastante e eu acabe por não conseguir uma vaga com o Enem. Nesse caso, só vou começar a faculdade quando arrumar um emprego.” / COLABOROU MAIARA SANTIAGO

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