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Consumir é a salvação

Por Alberto Tamer
Atualização:

Os Estados Unidos e a União Européia colocaram à disposição do mercado US$ 1,4 trilhão para aumentar a liquidez e abriram uma nova frente de combate à crise: incentivar o consumo. Apesar da reação neurótica das bolsas, surgiram ontem sinais positivos: os juros interbancários recuaram 0,29 ponto porcentual, para 3,54%. Essa taxa é mais de 1 ponto porcentual abaixo dos 4,8% do pico da crise, em 10 de outubro. Para os analistas de Wall Street, a tensões vêm se reduzindo, mais acentuadamente ontem. "O tom no mercado continua a melhorar.Todas as medidas do Fed ajudaram a trazer para baixo o custo dos empréstimos interbancários e penso que cairá ainda mais", disse Carl Lentz, estrategista do do Credit Suisse em Nova York. Para que isso evolua, é preciso que os bancos americanos, já capitalizados, voltem a financiar o setor produtivo. A nova frente é incentivar a demanda interna nas regiões mais atingidas pela crise - EUA e Europa. Ben Bernanke deu o tom ao afirmar que é favorável a mais incentivos para o consumidor, referindo-se ao projeto que circula no Congresso destinando a liberar US$ 300 bilhões com esse objetivo. Isso é absolutamente necessário porque "a economia está em forte desaceleração", disse. Esse incentivo poderia ser feito, em parte, como o anterior, de US$ 160 bilhões, praticamente de doação aos americanos, para que consumam mais (teve efeito temporário) e paguem dívidas. Não há ainda consenso, mas a Casa Branca já aceita a decisão. É PRECISO REDUZIR O JURO Aumentava ontem, em Wall Street, a sensação de que o Fed vai reduzir mais os juros, em ação coordenada ou não com os demais BCs. O cenário americano é por demais grave e seu peso mundial, por demais importante para que fique esperando a ação do indeciso Jean-Claude Trichet, do BCE. Bernanke tem a seu favor a redução do preço do petróleo e das commodities agrícolas, além da queda da demanda. É verdade que a Opep pode reduzir a produção e a demanda volte a crescer, mas, mesmo assim, os preços do petróleo e das commodities caíram muito e há espaço para novos aumentos, sem o impacto verificado no passado. A economia americana precisa reagir e só reage se o consumo interno, que representa 70% do PIB, aumentar. Hoje, o juro está em 1,25%, mas, na crise anterior, Alan Greenspan o trouxe para 1% por muito tempo. É verdade que o juro baixo e o crédito fácil, em 2001, criou a devastadora bolha imobiliária, mas ela foi só foi possível porque o sistema de refinanciamentos de créditos imobiliários a alimentou. Hoje, não há nada disso: a rede dos hedge funds, a ciranda dos hedges dos hedges, está sendo dizimada pelo veneno que criou e contaminou a economia real. A dramática experiência e as perdas que o sistema está tendo tornam pouco viável que isso se repita. Os governos envolvidos estão trabalhando em conjunto para reformar as regras, como mostra a decisão de se reunirem em 15 de novembro, em Nova York. O caminho agora é adotar medidas para estimular o consumo, com juros mais baixos, saneamento do mercado imobiliário, aumento direto ou indireto da renda e financiamento da produção e do comércio. Felizmente, parece que esse foi o caminho anunciado na semana. Falta ver a rapidez com que será percorrido; para Bernanke, tem de ser extrema, usando dinheiro do governo, mesmo que isso aumente o déficit público e o endividamento do governo americano. ORTODOXIA REVISTA Neste sentido, é sintomático que nos últimos dias os pensadores econômicos começassem a rever a ortodoxia. O déficit público, antes inaceitável, começa a ser aceito. É a volta a Keynes, à tese de que, em momentos de crise profunda, as economias não se corrigem automaticamente; é necessário a extrema ação do Estado. Artigo, no The New York Times, do novo Nobel de Economia, Paul Krugman, pode ser apontado como um marco desse repensar. Ele recomenda que o governo americano gaste até o que não tem para socorrer uma economia que dá todos os sinais de caminhar para "uma recessão brutal e longa". É hora de gastar dinheiro do governo em investimentos que gerem empregos e riqueza. BOLSAS, DEIXA PRA LÁ Krugman ironiza a bolsa: "O Dow Jones está subindo! Não, está caindo! Não, está subindo!Deixe para lá. Enquanto o mercado de ações maníaco-depressivo domina as manchetes, a história mais grave é que o resgate dos bancos é apenas o começo: a economia não financeira também está precisando desesperadamente de ajuda. Maiores gastos do governo é exatamente o que o médico recomenda." *at@attglobal.net

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