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Contestações judiciais de tributos crescem e já equivalem a 75% do PIB

Tributaristas alertam que o nível de litígio, sem paralelo no mundo, aumenta insegurança jurídica e inibe investimentos

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Atualização:

Com a Reforma Tributária sendo constantemente postergada, o Brasil segue entre os campeões mundiais em complexidade tributária, o que ajuda a aumentar o estoque de processos judiciais entre fisco e contribuintes. O último dado divulgado no final de 2020 estima em R$ 5,4 trilhões o contencioso tributário administrativo e judicial brasileiro, o equivalente a 75% do PIB daquele ano. Há várias ações na Justiça que se arrastam por 20 anos ou mais. 

O valor envolve processos administrativos e judiciários das esferas federal – com participação de mais de 50% –, estadual e municipal. Não existe situação igual em nenhum país do mundo em que o contencioso ultrapassa a metade do PIB, diz o consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Segundo ele, há quase 80 milhões de processos em tramitação na justiça brasileira.

Senado Federal;CCJ adiou a votação da reforma tributária Foto: Roque de Sá/Agência Senado - 16/11/2021

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Apesar dos dados serem de três anos atrás, o quadro não muda muito, pois nesse período não houve mudanças significativas no sistema tributário. Segundo tributaristas, o imbróglio local atrapalha o desenvolvimento econômico e afeta a decisão de investimentos por parte de empresas, especialmente multinacionais.

Pesquisa da Comissão Europeia com multinacionais de diversos países sobre o que levam em consideração quando consideram investimentos, o segundo tema mais relevante foi a incerteza tributária – se o país tem muitos litígios, contenciosos e mudanças frequentes nas legislações.

Para Gustavo Brigagão, advogado tributarista e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), a morosidade do poder judiciário cria uma insegurança jurídica muito forte e afasta investimentos. Segundo ele, o investidor quer colocar seu capital em um País que tenha um mínimo de segurança e leis estáveis.

“Temos um cenário que demonstra impactos para a economia de um grande contencioso e de um sistema tributário incerto e complexo”, afirma Raphaela Mathiessen, pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper)

“Precisamos de uma melhoria do ambiente como um todo, não só do Judiciário, mas em todos os passos entre Fisco e contribuinte que possam trazer mais segurança e mais certezas”, afirma Raphaela.

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Ela cita também mais agilidade nos julgamentos e alternativas que reduzam a necessidade de buscar o Judiciário para resolver disputas tributárias.

Malha fina 

Brigagãodiz que a maioria das grandes empresas tem questões sendo discutidas na Justiça como Imposto de Renda, IPI, ICMS, IPTU e doações. No caso das pessoas físicas, todas que caem na malha fina e questionam o procedimento, por exemplo, também passam pelo longo processo judicial.

Na fase administrativa, Brigagão calcula que o contencioso tributário demora entre cinco e oito anos. Se for para a fase judicial, são mais oito a 12 anos. O caso mais recente de um contencioso que se arrastou por mais de duas décadas é o da exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição para o PIS/Cofins.

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Conhecido como a “tese do século”, começou em 1998 e só foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro do ano passado. Pela decisão, a União terá de pagar algo próximo a R$ 250 bilhões às empresas que recorreram ao Poder Judiciário.

No período em que fica em tramitação, o contribuinte que recorreu à Justiça normalmente paga honorários advocatícios, tem de antecipar o pagamento de multas para dar prosseguimento ao caso ou precisa contratar uma fiança bancária como garantia, deixando o dinheiro parado por muitos anos. “As empresas ficam à mercê de um sistema que penaliza o contribuinte mesmo que ele seja inocente”, afirma o executivo de uma grande multinacional que prefere não se identificar.

Orientação 

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O relatório ‘Diagnóstico de Contencioso Judicial Tributário’, do Insper, divulgado no mês passado, identificou que o contencioso tão relevante e moroso do Brasil tem a ver, entre outros, com a estrutura e funcionamento do Judiciário, e também com questões externas, como a relação entre o fisco e os contribuintes, falta de orientação e de transparência nessas relações e falta de clareza sobre a interpretação da legislação tributária.

Feito a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o estudo corrobora a necessidade de melhoria do ambiente tributário para reduzir sua complexidade, a melhoria de questões de governança tributária e a postura orientadora na administração.

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“Quando há uma nova normativa, por exemplo, é importante que já venha quase que simultaneamente acompanhada de uma orientação da Receita Federal sobre como ela vai interpretar a nova lei, a forma de tributação e a possibilidade de os contribuintes se engajarem mais e de forma transparente na elaboração de políticas tributárias”, afirma Raphaela.

Vergonha 

Everardo Maciel conta que já recusou contrato de uma multinacional para ir ao exterior explicar aos executivos como funciona o sistema tributário brasileiro. “Ficaria com vergonha de mostrar como é aqui”, explica ele, para quem falta uma qualificação adequada dos problemas tributários. 

Em sua opinião, não tem sentido o Brasil ficar discutindo a PEC 110, que é superficial e “ridícula” e, além de não resolver os problemas atuais, vai trazer novos problemas. “Fundir impostos não significa simplificar”.

Macieldefende uma ampla modernização do sistema tributário, a exemplo do que está fazendo a Espanha. O país constituiu no ano passado uma comissão com pessoas imparciais, tributaristas de renome, economistas e servidores públicos para ajustar o sistema atual ao século 21.

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O estudo trata de administração tributária, fraudes, ecologia, digitalização, bem estar, desigualdade, inovação, meio ambiente, simplificação, empreendedorismo, oportunidade econômica, competitividade, eficiência, futuro, renda e globalização. O trabalho foi entregue em fevereiro e está sendo analisado.

“O mundo mudou e o que precisamos são de sistemas flexíveis que tratem, por exemplo, de ajustes tributários para efeito de mudanças climáticas e novas fontes de financiamento para o seguro social”, diz o ex-secretário da Receita Federal.

Na semana passada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, participou da instalação de uma comissão de juristas para reforma dos códigos tributário e administrativo. A comissão foi criada em fevereiro pelo presidente por ele e pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux.

Retranca 

Em discussão desde 2019, a PEC 110, que trata da reforma tributária, teve sua votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado adiada em uma semana na última quarta-feira em razão da resistência de alguns senadores ao texto.

A proposta altera o sistema de tributos no País criando o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), dividido em dois modelos: um federal, substituindo PIS e Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e outro estadual e municipal, unindo ICMS e ISS no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A reforma não inclui o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cobrado de indústrias, mas estabelece que seja substituído por um imposto seletivo, que incidirá apenas sobre produtos considerados nocivos, como cigarro e bebidas alcoólicas.

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O parecer prevê um período de transição da mudança dos impostos cobrados por Estados e municípios que começaria em 2025, se a reforma for aprovada neste ano, e só terminaria em 2066. Serão sete anos iniciais para a substituição dos tributos e, em paralelo, 40 anos para a mudança da cobrança de impostos, que não ocorrerá mais na origem da produção, mas no local onde os produtos e serviços são consumidos. Cada Estado ou município poderá definir sua própria alíquota do IBS.

Na opinião de Raphaela Mathiessen, pesquisadora do Insper, a reforma só ajudaria a reduzir o contencioso tributário se atacar os problemas atuais de complexidade e insegurança. Para ela, alguns deles podem ser endereçados pela PEC 110, mas há outras questões que precisam ser endereçadas fora do âmbito da Reforma Tributária. / COLABOROU DANIEL WETERMAN 

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