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Contumaz doador de dinheiro público

Por Marcelo de Paiva Abreu
Atualização:

Em meio a arrependimentos - autênticos, fingidos, permanentes ou temporários - quanto ao bestialógico que caracterizou a política econômica no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, causa espanto a resistência do BNDES à autocrítica. Autocrítica mais do que necessária em relação a diversos aspectos da sua atuação. O BNDES só pôde manter o seu espetacular desempenho em relação a desembolsos por ter sido beneficiário de manobras contábeis que lhe permitiram acesso farto a recursos do Tesouro. Manobras cometidas para viabilizar desembolsos, em muitos casos, para projetos de interesse duvidoso. A defesa, pelo banco, da distribuição de seus desembolsos beneficiando empresas que teriam possibilidade de acesso a recursos alternativos, enfatiza a criação de empregos. Ninguém duvida de que os projetos beneficiados geraram emprego, o que interessa saber é se o custo de cada emprego gerado foi razoável. Quanto a isso o banco tem sido silencioso. Com funding garantido pelo Tesouro, não usou os recursos daí advindos de forma razoável. Ao longo de sua história, o BNDES tem mostrado pouca propensão a incluir em seus contratos cláusulas que reflitam retorno adequado a seus financiamentos. Criado em 1952, teve contribuição expressiva na implementação dos projetos de infraestrutura que haviam sido definidos pela Comissão Mista Brasil-EUA, primeiro exercício sério de planejamento de investimentos no País. Mas, no auge do nacional-desenvolvimentismo, num quadro em que o seu funding dependia de receitas vinculadas e em plena vigência da limitação legal de juros nominais, o banco aprendeu pouco em relação a assegurar retorno adequado de seus empréstimos. Após a introdução da correção monetária, nos anos 60, tais discrepâncias foram temporariamente minoradas. Mas, nos anos 70, a correção monetária foi limitada a 20% e, com a inflação rumando para os 100%, 200%, 400% anuais e mais, o BNDES consolidou sua posição como doador de capital para uma clientela selecionada. No quadro da implementação do Plano Real foi criada, em 1994, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), fixada pelo governo para servir de marco de referência para a remuneração do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Pensada como expediente temporário, sua vida útil foi indevidamente estendida até agora, tornando-se peça fundamental do retorno ao nacional-desenvolvimentismo. A TJLP constitui o custo básico dos financiamentos do BNDES. A taxa Selic é a taxa de juros relevante para a captação de recursos pelo Tesouro. Apesar de a aplicação da TJLP resultar em custos de financiamento significativamente inferiores aos implícitos em outras formas de funding, é dogma no BNDES negar - com a ênfase que, em geral, acompanha argumentos deficientes - que haja subsídio implícito na concessão de seus financiamentos. Seu presidente, Luciano Coutinho, insiste em que é falso o argumento de que os juros praticados pelo BNDES são subsidiados. Segundo ele, não é a TJLP que é muito reduzida, é a taxa Selic que é excessivamente alta... Outra linha de defesa do BNDES - igualmente capciosa - é de que os custos associados à diferença entre TJLP e Selic são compensados pelo "multiplicador da renda" gerada pelos projetos apoiados. Em nenhum caso há a devida comparação com o melhor uso alternativo que os recursos poderiam ter. O BNDES deveria investir na mudança radical de sua cultura, apegada à doação sistemática de capital, e ajustar-se a tempos novos nos quais tenderia a depender mais de funding adequadamente remunerado e a ser mais seletivo na escolha de seus projetos. Abandonar o passado clientelista e concentrar-se em projetos que envolvam inovação e aumento de produtividade. E lembrar que subsídio não é prêmio para lobista eficaz: deve ser usado com parcimônia para corrigir falhas inequívocas de mercado.* Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio

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