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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Conundrum Amazon

Os grandes bancos centrais tentam decifrar o enigma de por onde anda a inflação, uma vez que a economia mundial está aquecida

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Como guerrear se o inimigo sumiu? Foi assim com os persas comandados por Dario 1.º que, no século 6.º antes de Cristo, saíram para enfrentar os citas. Mas estes não tinham nem monumentos nem cidades que poderiam ser cercadas. Eram nômades que habitavam largo território ao norte do Mar Negro e do Mar Cáspio, que hoje corresponde a áreas que vão da Ucrânia ao Casaquistão.

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A estratégia deles baseava-se na fuga, seguida de ataques táticos de cavalaria e novas fugas. Dario perdeu a paciência com os citas e desistiu de levar seus exércitos a correr atrás de um inimigo quase invisível. Quem conta esse episódio é Heródoto, na sua História.

É algo parecido que acontece hoje com os grandes bancos centrais, especialmente com o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e com o Banco do Japão (BoJ).

A principal função para a qual foram criados os bancos centrais é combater a inflação e, assim, garantir o valor da moeda nacional. Mas, hoje, os dirigentes dos grandes bancos centrais olham à sua volta e se perguntam: “Cadê a inflação?”. Surpreendentemente, é o que acontece nos Estados Unidos, apesar do forte aumento do emprego, fator que geralmente leva à alta de preços.

O enigma da inflação que sumiu Foto: Marcos Müller/ Estadão

A questão intriga economistas de todas as tendências, porque tem consequências. Será preciso mudar o jeito de medir a inflação? E, nessas condições, como conduzir a política de juros dos principais bancos centrais, que hoje já beira o zero por cento ao ano?

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Antes de tudo, o diagnóstico. Depois de muita pesquisa, dirigentes de bancos centrais e economistas de instituições importantes chegaram à uma hipótese que se tornou conclusão quase unânime. O fator que está achatando os preços de produtos de consumo e serviços são as crescentes vendas pela internet: é o e-commerce. Uma das mais expressivas novidades é a de que, nos Estados Unidos, as vendas online lideradas pela Amazon vêm contribuindo para queda forte de preços. Não é só isso, os preços mais baixos assim praticados vêm arrastando os preços do comércio varejista. O efeito Amazon passou a produzir o efeito Walmart.

Não é mais segredo que o e-commerce produz uma série de tesouradas nos custos. Concentra em grandes estabelecimentos os estoques antes pulverizados por centenas de milhares de pontos de venda, facilita a distribuição, elimina grande número de postos de trabalho e transforma amplas redes varejistas em showrooms.

Mas o mecanismo pelo qual a redução de custos e a baixa dos preços se propaga são as tecnologias de algoritmos comandadas por computador, destinadas a definir automaticamente os preços. Com esse grande crescimento das vendas pela internet, a inflação acabou cedendo.

Esses novos impactos lembram o que aconteceu em 2005, também nos Estados Unidos, quando o presidente do Fed era Alan Greenspan. Durante meses, ele passou a se perguntar o que acontecia com a inflação (e com a curva de juros) que teimava em permanecer substancialmente abaixo da meta informal de 2,0% ao ano, apesar dos juros baixos e do forte crescimento dos postos de trabalho. Foi o que, na ocasião, Greenspan chamou de “conundrum” (enigma). Mas, lá pelas tantas, Greenspan desvendou o mistério, que ele imediatamente repassou aos documentos oficiais: tratava-se do impacto baixista proporcionado pela larga utilização de tecnologia da informação.

As novidades de agora não param no efeito Amazon. Levantamentos feitos por Austan Goolsbee, da Universidade de Chicago, e por Peter Klenow, da Universidade de Stanford, verificaram que os preços de inúmeros produtos caem mais acentuadamente nas vendas online do que no varejo tradicional. Nos Estados Unidos, no período 2014 a 2017, os preços dos brinquedos, por exemplo, caíram 12%, enquanto os levantamentos do custo de vida (CPI) acusam queda de apenas 7,8%. E os preços dos equipamentos fotográficos cederam 9,2% enquanto o índice CPI acusou declínio de apenas 0,6%.

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Ou seja, os levantamentos do custo de vida feitos pelo CPI, que servem de base para a definição da política monetária (política de juros) pelo Fed não estavam registrando o impacto do e-commerce. Não só é preciso mudar a metodologia dos institutos que rastreiam a inflação, como, também, é preciso rever os conceitos de juros neutros nos quais também se baseiam os bancos centrais.

Enfim, as grandes mudanças não acontecem apenas no meio ambiente, na tecnologia, na demografia e no emprego, mas até mesmo nas condições em que são medidos indicadores importantes da economia, como a inflação.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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