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‘Coronavírus fará setor de veículos retroceder 15 anos no Brasil’, diz presidente da Fiat Chrysler

Antonio Filosa participou da série de entrevistas ao vivo ‘Economia em Quarentena’, do 'Estadão'; executivo reafirmou compromisso do grupo com o País, mas disse que cronograma de investimentos deve ser atrasado em um ano

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller e Monica Scaramuzzo
Atualização:

As montadoras foram atingidas em cheio pela crise gerada pela pandemia de coronavírus. No Brasil, a demanda por veículos pode cair até 40% este ano, para 1,8 milhão de unidades. “Vamos retroceder 15 anos”, afirmou Antonio Filosa, presidente da Fiat Chrysler Automóveis (FCA) para a América Latina, durante a série de entrevistas ao vivo ‘Economia na Quarentena’, do Estadão, nesta quinta-feira, 21.

O presidente daFCA Fiat Chrysler na América Latina, Antonio Filosa. Foto: José Patricio/Estadão - 6/11/2018

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O executivo também afirmou que o grupo não tem “nenhuma intenção” de deixar o mercado brasileiro. Ele afirmou que a montadora manterá os investimentos de R$ 14 bilhões em novas fábricas, produtos e serviços no País. Esses aportes, que estavam previstos para ser concluídos até 2024, deverão ser esticados até 2025.

O compromisso de ficar no País deve ser uma das contrapartidas exigidas pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para liberação de crédito às montadoras instaladas no País. “A Anfavea (associação que reúne as montadoras) está trabalhando com o governo (para receber recursos para reforçar o caixa) e recebendo respostas positivas. Mas até agora não houve nenhuma resposta concreta”, afirmou o executivo.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. vê a demanda por carros no País? Não se corre o risco de o setor se ver com um mar de estoques nas mãos?

Esse é o “x” da questão. Tivemos, em abril, uma queda de 90%, enquanto o mês de maio caminho para uma retração de 70% a 75%. No terceiro trimestre, a demanda deva cair entre 40% e 50% e, no quarto, de 20% a 30%. Sendo assim, devemos fechar o ano com venda de 1,8 milhão de veículos, queda de 40% sobre 2019. Vamos retroceder 15 anos no nosso mercado, na soma do ano. Outro dado interessante é o da produção. A de abril foi menor do que 2 mil unidades na indústria automobilística toda. Um dado tão baixo que te leva a 1957.

Ou seja, pré-industrial...

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Exato. Talvez esse seja uma definição perfeita, quando a indústria automobilística no Brasil estava numa fase de implementação. Através da Medida Provisória 936, temos flexibilizado nosso regime de trabalho e temos um regime “stop and go”. Nós não vamos produzir todos os dias da semana. Teremos produções e paradas alternadas de acordo com a demanda. 

Algumas montadoras já começaram a vender carros para pagar a primeira parcela em 2021. Isso ajuda? 

Também temos programas comerciais neste sentido, até porque essa é uma crise global. Dependendo dos estímulos de retomada da demanda e de como o governo se posiciona, a crise pode se arrastar mais, por até um ano e meio. Por isso, esses programas comerciais foram colocados. A gente protege o caixa do consumidor que precisa comprar o carro. Ele pode ter o bem e pagar depois no ano novo. 

Até agora, o BNDES só concretizou a ajuda às aéreas, que vai ser subsidiada. Como está a negociação com as montadoras?

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No começo da crise, identificamos dois problemas. O do trabalho e flexibilização da jornada e o de caixa. O problema do trabalho foi resolvido. A MP 936 permite importantes coisas, como a manutenção do trabalho por um período pré-estabelecido. Na nossa indústria a manutenção do trabalho é um fator crítico. Se um especialista em produção deixa o emprego, nós temos de gastar dinheiro para obter um novo profissional do mercado. Por isso, a manutenção do trabalho é crítica para nossa indústria. Já o segundo problema é o de caixa. Nosso faturamento caiu de forma dramática. É problema das montadoras, dos fornecedores e das concessionárias. É uma cadeia de 7 mil empresas, que emprega 1,2 milhão de pessoas. Agora, por meio da Anfavea (associação que reúne as montadoras), fomos falar com o governo e BNDES sobre esse tema.

E o BNDES vai exigir contrapartida das montadoras? A Fiat está preparada para assumir compromissos?

O diálogo foi iniciado há mais ou menos um mês e teremos reuniões finais em alguns dias. É uma situação sem precedentes, porque empresas globais não têm como compensar o risco de um país com outra região do mundo. A famosa possibilidade de chamar a matriz, apresentar a situação e pedir ajuda é hoje muito mais difícil, para não dizer impossível. A Anfavea está trabalhando com o governo e recebendo respostas positivas. Mas até agora não houve nenhuma resposta concreta. Cada montadora também está trabalhando no mercado privado para negociar linhas de crédito para o caixa.

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O BNDES disse que vai exigir que as empresas assumam o compromisso de ficar no Brasil. A Fiat Chrysler vai assumir esse compromisso?

A FCA, independentemente dessa mesa de negociação, nunca teve objetivo de sair do Brasil. Estamos no meio de um plano de investimento de R$ 14 bilhões para o Brasil e a América Latina. Revemos o tempo. Dentro do plano até 2024, já perdemos entre três e seis meses. O plano, que começou em 2018, continua em pé, mas com seu ‘timing’ postergado entre 6 e 12 meses. Agora estamos pensando em terminar o plano em 2025. Não temos nenhuma intenção de deixar o mercado brasileiro.

A Fiat recorreu em abril a antropólogos para entender o cliente no pós-pandemia. Já se tirou alguma conclusão desse estudo?

Sim, estamos chamando este estudo de Anthropos, ou “homem”, em grego. Buscamos o novo indivíduo que sairá dessa crise, que também é existencial. Teremos duas retomadas: uma quando se reabrir a sociedade e depois quando tivermos uma vacina, que definitivamente resolverá os problemas desse período. Isso pode durar de dois a cinco anos. Na primeira retomada, haverá dois motores: de consumo ‘celebration’, das pessoas que não tiveram grandes problemas econômicos e que reprimiram consumos. Isso projeta um certo crescimento do setor premium. Por outro lado, haverá o medo da aglomeração e de usar meios coletivos de transporte. Todos os carros de entrada terão uma nova demanda. São motores conflitivos que vão coexistir, embora a demanda como um todo vai cair. 

O “cabo de guerra” político no que se refere à abertura da economia piora a situação do Brasil nessa crise?

Quem diz que a saúde é um tema essencial, a prioridade número um, tem absoluta razão. Quem diz que a economia deve ser protegida também está certo. É óbvio que o sistema de saúde sempre deve ter prioridade, pois é a base elementar de tudo. É necessário que, se ainda não se encontrou uma convergência, isso seja estabelecido. É claro, que quanto mais se demorar para isso ocorrer, maiores são as incertezas. E isso gera ambientes de negócios menos previsíveis e mais arriscados.

Como é explicar o fato de o Brasil viver, além da crise do coronavírus, uma crise política, com a saída de vários ministros e ameaça de impeachment do presidente Jair Bolsonaro?

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Eu tenho a vantagem de fazer parte do conselho global de administração da empresa, que se reúne todos os meses. O nosso acionista italiano também viveu no Brasil e conhece muito bem o país, incluindo a capacidade única da economia brasileira de se reinventar depois das crises. E isso é associado ao nosso histórico de bons resultados tanto no Brasil quanto na América Latina.

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