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Doutor em Economia

Corremos o risco de uma 'tiozãocracia' na política brasileira?

Não é uma idade, é um tipo: o 'tiozão' é deslocado da realidade, alheio ao que é sensível aos outros e cuja fala é saudosista - e qualquer época está valendo

Por Pedro Fernando Nery
Atualização:

A idade mediana do brasileiro está ao redor de 33 anos. Mas dois candidatos com pelo menos o dobro dessa idade lideram a disputa presidencial. Como uma sociedade ainda jovem está polarizada entre essas duas candidaturas?

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Boa parte da nossa desigualdade passa pelo conflito geracional: os mais jovens são os que predominam na pobreza, os que recebem menos do orçamento público, provavelmente os que pagam mais impostos. São os mais “inempregáveis” na atual estrutura do mercado de trabalho. Sofrerão mais com o descaso ambiental. A dominância eleitoral dos mais velhos vai comprometer a necessária revisão do nosso pacto geracional?

Nas manifestações deste mês, foi a mobilizada pelos mais velhos que se destacou, no dia 7, marcada pelas cores de ameaça e paranoia. Já no último fim de semana, o Twitter foi dominado pela repercussão do discurso violento de um experimentado ator petista, agora entusiasmado com o espancamento de uma jovem deputada.

Nas manifestações deste mês, foi a mobilizada pelos mais velhos que se destacou. Foto: Paulo Lopes/AFP - 7/9/2021

Não me preocupo exatamente com a dominância de uma faixa etária, mas sim com o domínio dos “tiozões”. Não é uma idade, é um tipo. O “tiozão” é deslocado da realidade. Alheio ao que é sensível a outros. Pode sorrir, e rir, mas é boçal. A fala é saudosista – e qualquer época está valendo. O “tiozão” não parece ter consciência de si.

Fiquei pensando na “tiozãocracia” lendo sobre outras cenas já famosas dos últimos dias. A dinner-party de Naji Nahas bem resumida por Cristina Serra em “Riem do que, senhores?”. A resposta de Lula a Mano Brown aludindo a “vitimismo” quanto à falta de lideranças negras em seu partido, lembrada junto com outros episódios por Claudio Ferraz em “Os dinossauros e as barreiras à renovação política”.

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O patrono dos “tiozões” na política talvez seja Augusto Heleno – mas ele perde pontos por não andar de moto nem se vacinar escondido. Há alguns dias, o marechal* lançou um vídeo, diante da bandeira nacional e da cruz: se submeteu ao capitão (“Discordei dele algumas vezes... e depois descobri que ele tinha razão!”) e afirmou que o governo em rejeição recorde fez na verdade inúmeras entregas.

Os vexames do seu gabinete de inteligência vão do avião da FAB usado como mula do tráfico internacional de drogas à possível gravação do presidente em pleno Planalto no caso Covaxin, passando pela internação de emergência do ex-colostomizado após soluçar infernal e negligentemente por dias a fio. A última entrega pode ser um surto de covid na segurança presidencial em Nova York.

Do lado da esquerda, o Opala leva coisas como imposto sindical obrigatório, Belo Monte, aposentadoria por tempo de contribuição. Lula especificamente segue um tratamento anti-aging com as doses de Ricardo Stuckert e pontua bem com eleitores jovens. Vai incorporar suas pautas e governar para eles? Ou ficará nos cliques de “sarrada no ar”? Enquanto a ciência defende o gasto público na infância, seu plano de governo a ignora e seu economista acaba de defender mandar nosso dinheiro literalmente para o espaço. É um problema as opções para presidente terem nascido nos governos Vargas e Café Filho? Não – e nos próprios Estados Unidos o candidato que mais abraçou pautas jovens tem 80 anos (Bernie Sanders). É até natural: candidatos mais velhos se beneficiam de maior recall e maior contato com rede de doadores – pessoas mais ricas também são mais velhas.

Se não com candidatos de sua faixa etária, como a juventude pode ter maior voz? Aqui há outra cisão interessante para este debate, que é o entusiasmo de políticos jovens emergentes mais com movimentos suprapartidários do que com partidos em si (como o Agora, MBL, Acredito, Livres – a exceção aqui talvez seja o PSOL).

Mas são partidos, no mundo todo, que organizam a vida eleitoral. Corremos o risco de uma “tiozãocracia?” Os brasileiros mais jovens já enfrentaram duas violentas recessões no início de suas carreiras e herdarão ainda a crise climática. Quando irão governar?

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*Militares sobem de patente quando se aposentam, mesmo que continuem trabalhando, e generais são classificados como marechais, mesmo que não tenham lutado guerras. Não há título extra para os marechais que acumulam aposentadoria e salário acima do teto. 

* DOUTOR EM ECONOMIA 

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