23 de março de 2022 | 05h00
A decisão do governo de zerar o imposto de importação de etanol, café, margarina, queijo, macarrão e óleo de soja e de reduzir em 10% as alíquotas de importação sobre itens de informática e bens de capital terá impacto limitado para conter a alta de preços e segurar a inflação, segundo economistas ouvidos pelo Estadão.
Mesmo com essa medida, eles mantêm as previsões para o ano do Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) na faixa de 7%. Na prática, a zeragem do imposto tem muito mais um caráter populista, no sentido de o governo demonstrar preocupação com a inflação em ano eleitoral, do que equacionar a forte pressão inflacionária, que mantém os índices em 12 meses em dois dígitos.
Governo zera tributos de importação de etanol e de alimentos, como café e macarrão; veja os produtos
Nas contas de André Braz, coordenador de índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), o etanol e os alimentos, cujas alíquotas estão zeradas até o final do ano, representam menos de 3% do orçamento familiar. “Eles pesam menos do que a conta de luz, que responde por 5% do IPCA”, compara.
Além de o peso desse grupo de itens ser pequeno na inflação, como os preços são livres e o momento atual é de muita volatilidade, a isenção do imposto não necessariamente se traduz em preços menores ao consumidor, diz o economista. A decisão pode, no máximo, impedir um aumento maior no preço final, observa.
O motivo é que as cotações das commodities, como soja, trigo, milho, petróleo, seguem muito pressionadas no mercado internacional por causa da guerra entre Rússia e Ucrânia. “Parece que essa decisão está na conta de medidas em torno das eleições, do interesse do governo de se posicionar melhor na corrida eleitoral.”
O economista Fábio Silveira, sócio da consultoria MacroSector, concorda com Braz. “O anúncio desse pacote tem um caráter populista e eleitoreiro.” Ele diz que a desaceleração da inflação no segundo semestre já é prevista por causa de outros fatores e que o efeito da zeragem do imposto é muito pequeno. “Não é isso que vai conter preços.”
Entre os fatores que devem levar a uma desaceleração da inflação no segundo semestre, apesar de a sua projeção do IPCA para o ano continuar na faixa de 7% por causa da disparada de preços do primeiro semestre, o economista aponta a alta dos juros no mundo, especialmente nos Estados Unidos. “A subida dos juros dos títulos do Tesouro americano reduz os movimentos especulativos de fundos que apostam em commodities e impulsionam os preços”, explica.
Outro fator apontado por Silveira é a entrada, no segundo semestre, das safras de grãos no mercado internacional, o que amplia a oferta de produtos e segura os preços. Além disso, a valorização do dólar em relação ao real deve limitar a alta da inflação no Brasil.
“Se o câmbio continuar se valorizando, ele terá impacto muito mais importante para segurar a inflação do que essas reduções de impostos”, afirma o economista Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe.
Moreira pondera que toda a redução de imposto é bem-vinda, mas destaca que o problema da inflação neste momento é muito maior do que os itens nos quais o governo decidiu zerar ou reduzir o imposto de importação. “A inflação está muito espalhada.”
No Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de fevereiro, o último dado disponível, 74,8% dos 377 itens que compõem o indicador registraram aumento de preços, um recorde histórico, aponta levantamento da LCA Consultores.
Fabio Romão, economista da LCA, diz que a decisão do governo pouco vai influir na inflação. No caso do etanol, ele observa que o produto importado respondeu por apenas 3,8% da oferta no mercado interno no ano passado. “É muito pouco, não tem oferta”, argumenta. Além disso, o etanol importado é produzido a partir do milho, que está em alta no mercado internacional. “Não deve ter um efeito relevante para o preço da gasolina”, afirma. O economista não alterou a previsão de alta de 10% para a gasolina neste ano e de um IPCA de 6,7%.
A redução no imposto de importação pegou de surpresa as empresas dos setores afetados pela medida.
Segundo a Abinee, a associação que representa a indústria de produtos eletroeletrônicos, o novo corte quebra a confiança no diálogo com o governo. “Essa decisão (...) aumenta a insegurança jurídica, o que afeta qualquer intenção de investimento e de reindustrialização no País”, disse o presidente da entidade, Humberto Barbato, em nota.
Em um ano, esta é a segunda redução do imposto cobrado na importação de aparelhos de informática e de telecomunicações, como computadores, tablets e celulares, repetindo a dose – corte de 10% – de março de 2021. Máquinas e equipamentos também tiveram o imposto de importação reduzido em mais 10%.
Para a Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio), a decisão do governo de zerar tributos de importação do etanol é negativa, sem o compromisso de um corte semelhante da parte de outros países. "A medida compromete o ânimo da produção e da geração de empregos e não oferece ao nosso setor reciprocidade alguma para exportação, por exemplo, de açúcar para os EUA", disse o presidente da entidade, Renato Cunha.
Já a União Nacional do Etanol de Milho (Unem) disse que a retirada da alíquota para importação do biocombustível causa "extrema preocupação". "A medida poderá gerar efeitos adversos e indesejados num momento de instabilidade do mercado, tais como a insegurança jurídica, aumento de custo para indústria nacional, inibição da geração de emprego e o processo de desinvestimento", afirma a entidade em comunicado. Para a Unem, o ideal seria incentivar a produção de combustíveis mais limpos e de matriz energética renovável. / COLABORARAM EDUARDO LAGUNA E AUGUSTO DECKER
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