Covid-19 traz desafio à meta de produção da Vale e sustenta aumento de preço do minério de ferro

Mineradora brasileira, a segunda maior exportadora mundial do insumo, não alterou projeções para 2020 após paralisação de unidade em Minas, mas mudança é vista como inevitável por analistas

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Por Fernanda Guimarães
4 min de leitura

A paralisação das operações da Vale em Itabira (MG), um efeito real dos temores em torno da covid-19 para a mineradora brasileira, traz mais um desafio para a companhia entregar sua meta de produção para o ano, estimada entre 310 milhões e 330 milhões de toneladas de minério de ferro.

Por outro lado, o evento traz um suporte importante para que o preço do insumo se mantenha em patamar elevado, atualmente acima de US$ 100 a tonelada, diante de restrição da oferta global. Mesmo com o revés, a Vale não revisou sua estimativa para o volume de minério de ferro a ser produzido em 2020. Uma mudança desse intervalo, no entanto, é apontada como inevitável no mercado.

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No fim da semana passada a Vale suspendeu as atividades do Complexo de Itabira, em cumprimento de uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que restabeleceu os efeitos de Termo de Interdição emitido pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, em Minas Gerais.

Exploração de minério de ferroda Vale, em Minas. Foto: Fabio Motta/Estadão - 7/7/2015

Essa determinação valerá até o julgamento do mérito da ação ou até que a companhia implemente medidas de controle para proteção ao coronavírus. A Justiça havia determinado a interdição das atividades no complexo da mineradora na cidade, após denúncia de que 200 funcionários estariam com coronavírus.

Os temores de que o ritmo acelerado de novas contaminações pelo vírus no Brasil afetaria, cedo ou tarde, as operações da Vale já vinham sendo antecipados pelo mercado e puxando o preço para cima, movimento que ganhou mais força no momento em que o País se tornou epicentro da doença.

A Vale é o segundo maior exportador de minério de ferro do mundo, atrás apenas da australiana Rio Tinto, e as preocupações são crescentes de que o coronavírus afetará mais a oferta do minério no mercado global.

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Para o ano, a meta de produção de finos de minério de ferro já foi reduzida uma vez, passando de 340 milhões a 355 milhões de toneladas para 310 milhões a 330 milhões de toneladas. No primeiro trimestre a Vale já teve queda em sua produção, por decorrência do elevado índice pluviométrico no período.

A mineradora era até poucos meses atrás a maior fabricante de minério do mundo, mas perdeu o posto por causa de problemas em sua produção, principalmente após a tragédia de Brumadinho (MG), em janeiro do ano passado, que deixou 259 mortos e 11 desaparecidos. A terceira maior fabricante é a também australiana BHP Billinton.

Mesmo que a companhia ainda não tenha mexido em suas projeções, ela já havia levantado o risco trazido com a pandemia em abril, quando divulgou seu relatório de produção do primeiro trimestre. Na ocasião, a Vale colocou a possível falta de mão de obra, o chamado 'absenteísmo', como um dos principais riscos de sua operação na esteira da covid-19.

"No futuro, o impacto da covid-19 nas operações da Vale poderá ser mais significativo, principalmente pelo aumento potencial nos níveis de absenteísmo em seus sites de produção, se for necessário intensificar as medidas de segurança para proteger seus empregados, caso haja uma escalada de contágio nas localidades em que opera", destacou a mineradora.

Outros possíveis efeitos, segundo a companhia, poderiam vir com o adiamento de paradas de manutenção de suas plantas de metais básicos devidos às restrições de segurança e, ainda por restrições mais severas por autoridades para combater a pandemia.

Complexo de Itabira responde por 10% da meta da Vale para este ano

O Complexo de Itabira, paralisado pela decisão judicial, é formado pelas minas de Conceição, Cauê e Periquito, que juntas produzem 32,4 milhões de toneladas ao ano, ou seja, 10% da meta de produção da Vale para este ano. "Esperamos que a solução para esse imbróglio seja relativamente rápida, pois uma das alternativas é a implementação de medidas de controle e a Vale está totalmente engajada em salvaguardar a saúde de sua força de trabalho", segundo relatório do JPMorgan, assinado por Rodolfo Angele, Marcio Farid e Lucas F. Yang.

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Os analistas do JP lembram que o intervalo de orientação fornecido pela Vale inclui uma provisão de 15 milhões de toneladas para problemas relacionados à covid-19. "Portanto, isso provavelmente deve significar que a produção pode eventualmente se aproximar do limite da faixa, se o problema não for resolvido nas próximas semanas ou meses."

Em maio, as exportações de minério de ferro do Brasil continuaram fracas, somando 21,6 milhões de toneladas, queda anual de 28%. Para junho, com a decisão do Tribunal do Trabalho, o volume deve cair ainda mais.

Os analistas do banco norte-americano dizem que será um grande desafio para a Vale atingir sua meta de produção anual, mesmo o piso da projeção passada ao mercado. "Em outras palavras, o risco de queda para os volumes do Brasil persiste, um dos motivos que sustentam os preços do minério de ferro acima de US$ 100 a tonelada, em nossa opinião."

O BTG Pactual, em relatório assinado por Leonardo Correa e Caio Greiner, lembra que o complexo de Itabira fornece pelotas para o Complexo de Tubarão e, por isso, que a Vale informou que pode haver escassez temporária de pelotas no mercado doméstico.

"A mineração é considerada essencial pelo governo brasileiro desde o início das restrições - assim, acreditamos que uma rápida retomada é do interesse do País. Sem mencionar que a Vale está tomando todas as medidas de precaução para garantir a segurança de suas operações", diz o documento.

A instituição financeira calcula que a Vale possui atualmente uma capacidade ociosa de 89,6 milhões de toneladas anuais, sendo cerca de 28 milhões de toneladas provenientes das operações de processamento úmido de Vargem Grande e Fabrica , outras 9,2 milhões de toneladas das operações de processamento úmido da Timbopeba, 2 milhões de toneladas de Alegra, 18 milhões de toneladas de Brucutu e agora 32 milhões de Itabira.

"A empresa espera retomar um total de 15 milhões de toneladas da capacidade interrompida de Brumadinho em 2020, o que atualmente vemos alguns riscos. Brucutu, atualmente operando a uma taxa de 40% devido a um problema operacional na barragem de Laranjeiras, ainda não tem uma definição oficial, mas pode ser retomada no segundo semestre do ano", destacam os profissionais do BTG. Eles sublinham que mesmo que a empresa mantenha suas projeções inalteradas, por enquanto, a entrega da meta, mesmo que no piso, parece ser um desafio.

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