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CPMF e o Código de Defesa do Contribuinte

Por Rita de Cassia V. G. Romano
Atualização:

A prorrogação da cobrança da CPMF traz à tona um projeto de lei complementar que há anos - quase dez - dormita nas casas legislativas: o Código de Defesa do Contribuinte (PLC 646/99), apresentado pelo senador Jorge Bornhausen e resultado do trabalho da comissão composta por renomados tributaristas brasileiros, como Eduardo Bottallo, José Souto Maior Borges, Paulo de Barros Carvalho, Ricardo Lobo Torres e Roque Antonio Carrazza. Aos moldes do Código de Defesa do Consumidor, que inaugurou uma nova mentalidade, na década de 90, o Estatuto do Contribuinte teria o condão de consubstanciar direitos básicos do cidadão diante do poder de tributar do Estado. As sociedades democráticas mais avançadas têm por característica o reforço do princípio da segurança jurídica, para evitar o arbitrário por parte do poder. Nessa linha, alguns países implementaram tal proteção prevista constitucionalmente, mediante a celebração de tratados internacionais ou o estabelecimento de "códigos de defesa". É o caso da Espanha, com a Ley de Defesa y Garantias de los Contribuiyentes, de 1998; dos EUA, com as Tax Payer Bill of Rights I, II e III, que alteraram o Código de Rendas Internas de 1986; da Itália e do México, com seus respectivos estatutos. É necessário traçar a "zona de capacidade contributiva", para usar a expressão do professor gaúcho Humberto Ávila, cujos extremos inferior e superior corresponderiam, respectivamente, à garantia do mínimo existencial (princípio da dignidade da pessoa humana) e à proibição do confisco (princípios da liberdade e da propriedade). A finalidade fiscal deve ser avalizada. De que forma? Pelo princípio da igualdade, verificando-se a generalidade da aplicação da lei, a capacidade contributiva dos cidadãos e a universalidade da imposição tributária. Já os tributos de cunho extrafiscal deveriam ter seus fins regulatórios testados pelo postulado da proporcionalidade (o que significa atender à adequação e à necessidade da medida), para que se possa ter de fato uma nova mentalidade na relação Fisco-contribuinte. Um exemplo de que isso ainda não existe no Brasil: dados da Fipe, dos últimos cinco anos, mostraram que as famílias que recebem entre dois e cinco salários mínimos, e representam mais de 50% das famílias brasileiras, arcam com uma carga tributária de aproximadamente 40%. Injustiça? Sim. As pesquisas do Ipea não demonstram menos: os governos destinam grande parte das verbas arrecadadas (aproximadamente 56% do PIB) para pagar "esqueletos", ou seja, dívidas de gestões passadas, o que prejudica a alocação dos recursos para serviços como saúde, educação, transporte e moradia, dentre outros. Revoltante? Igualmente. É nesse sentido que o verbo contribuir, derivativo de tribuere - dividir, repartir -, se torna desprovido das suas notas de solidariedade e voluntariedade. Na seara tributária, contribui-se obrigatoriamente para um Estado cujo governo estabelece metas que nem sempre atendem ao bem comum. Em que medida se pode considerar legítima a transmutação da sigla "P", de provisória para permanente, na CPMF? O princípio da solidariedade justificaria a prorrogação indeterminada da cobrança ou deveria o Estado rever seus gastos e cortar despesas? A verdade é que todo direito demanda um custo - mesmo quando o Estado não precisa agir, aparentemente, para tanto, como o direito à liberdade ou à propriedade. Isso já foi bastante percebido na cultura norte-americana e ensinado nas universidades de Chicago e de Nova York, pelos professores Stephen Holmes e Cass Sunstein. Os belos discursos de direitos humanos seriam somente isso - discursos - se não fosse a atividade arrecadatória a dar o suporte material para a implementação e efetivação dos direitos fundamentais. O intento brasileiro propõe igualdade entre o cidadão e o Fisco, ambos co-responsáveis pela origem e aplicação da arrecadação pública nos moldes da transparência democrática. Com direitos e deveres para ambas as partes, o projeto tem o fito de alcançar os ideais de justiça social e redistribuição da riqueza mediante a tributação. Essa história é acalentadora e lembra os contos da carochinha - a veracidade dessa afirmação depende de cada um de nós, que podemos assistir comodamente à aprovação da prorrogação da CPMF ou podemos pedir aos nossos representantes que se dignem votar, antes de inventarem um novo tributo, uma lei de defesa dos contribuintes brasileiros. *Rita de Cassia Vieira Gomes Romano, bacharel em Direito pela USP, é mestranda em Filosofia do Direito pela USP. E-mail: rcvgomes@usp.br

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