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''Credit Suisse colaborou com evasão''

Entrevista - Claudine Spiero: ex-colaboradora do Credit Suisse no Brasil, acusada de ser doleira; Cúpula do banco sabia de tudo, diz Claudine, que durante nove anos foi contratada para apresentar clientes brasileiros

Por Jamil Chade e GENEBRA
Atualização:

Os bancos suíços insistem que nunca colaboraram com evasão de divisas nem com lavagem de dinheiro, ao contrário do que denuncia a Justiça brasileira. Mas, em entrevista exclusiva ao Estado, Claudine Spiero, uma das acusadas de crimes financeiros e de ser doleira - presa em 2007 na operação Kaspar 2, da Policia Federal -, revela como o banco Credit Suisse trabalhava no País e admite pela primeira vez que foi contratada pelo próprio banco durante nove anos. Claudine garante que, pelo que viu das operações, "não há dúvida" de que o Credit Suisse colaborou com a evasão de recursos. Ela se recusa a ser classificada como doleira do banco. Mas prefere denunciar o trabalho de doleiro de outros intermediários e diz que a cúpula do banco sabia de tudo. Ao ser presa, Claudine não recebeu nenhum apoio do Credit Suisse. Agora, revela que o banco até criou mecanismos para permitir a transferência de fortunas não declaradas do Brasil para o exterior. O Estado obteve cópia da carta que estabelece o fim de seu contrato - assinado por uma das pessoas detidas em 2008 pela PF -, o que prova a sua relação com o banco. Procurado pela reportagem, o Credit Suisse não quis se manifestar. A seguir, os principais trechos da entrevista. Como ocorreu o contato entre o Credit Suisse e a sra.? Eu fui procurada pelo Credit Suisse por um executivo do banco no exterior, que obteve meu nome por um amigo em comum, quando eu morava no Canadá. Como eu era uma pessoa bem relacionada, eles teriam interesse em me contratar para que eu apresentasse clientes brasileiros em troca de um "finder?s fee", ou seja, uma comissão única na apresentação do cliente. Essa proposta não me interessou, pois uma vez levado o cliente ao banco você nunca mais teria direito a nenhum benefício. No entanto, veio a contraproposta do banco, ofertada por Peter Schaffner, de um contrato de "retrocession", ou seja, enquanto o cliente mantivesse a fortuna dele no banco eu receberia um pequeno porcentual. Quais eram suas funções? Meu trabalho era fora, e não dentro do banco. Para ser mais específica, estava relacionado ao Credit Suisse Private Banking. Eu tinha de buscar clientes, vender credibilidade, confiabilidade, fazer marketing do banco. Uma vez aberto esse canal de comunicação, eu tinha de apresentar o cliente no Brasil para um gerente de contas do Private do Credit Suisse no Brasil, que, consequentemente, destinaria também um responsável na Suíça por esse cliente. Portanto, conhecia os gerentes no Brasil, assim como os que cuidavam dos meus clientes fora do Brasil. A cúpula do banco na Suíça sabia de seu envolvimento e de seu contrato? Sim, claro que sim. Eu tinha um código no Credit Suisse em Zurich como gerente de "retrocession" e gerava um custo no departamento de Private Banking na Suíça correspondente aos meus clientes sediados lá. Além de tudo, teria de responder se eles perdiam contato com meus clientes. A comunicação era constante. Ela só foi cortada quando da deflagração da Operação Suíça, ou seja, após a busca e apreensão do escritório do Private Banking aqui no Brasil. Na operação Kaspar 2, o banqueiro do Credit Suisse Christian Peter Weiss chegou a ser preso e denunciado em abril de 2008. A sra. o conhecia? Christian Peter Weiss veio substituir ao Peter Schaffner e foi ele que assumiu meu contrato após o afastamento do Schaffner (Schaffner foi detido ainda em 2006). Weiss entrou em contato comigo em novembro de 2006, quando estava no Brasil solicitando uma reunião num café. Não entendi por que num café. Habitualmente, as reuniões eram feitas no meu escritório ou na representação do banco, na Av. Faria Lima, em São Paulo. Ele pediu meu documento de identidade para se certificar que se tratava de Claudine Spiero,procedimento totalmente autoritário. E exigiu contato com todos os meus clientes. Como neguei essa informação a ele, visto que eu é que não conhecia esse cidadão, em retaliação, em fevereiro de 2007, por telefone, ele disse que não mais precisavam dos meus serviços. Perguntei se ele tinha autoridade para falar pelo banco, ele disse que sim e, após cinco meses de discussões por telefone, consegui uma carta rescisória do Credit Suisse. Quero deixar claro que nada quero do banco, nem um centavo. Pelo que a sra. viu nos anos trabalhando com o banco, eles colaboraram com a evasão de recursos? Eles ainda não foram julgados pela Justiça. Mas, pelo que sei dos procedimentos adotados, não tenho dúvidas de que sim. Quando a operação ocorreu e a sra. foi presa, o que sentiu quando o Credit disse que nunca tinha tido relação com doleiros e nem a conhecia. Eu não esperava que eles dissessem que me conheciam, mas também havia outras formas de aproximação. Existia um trabalho de extrema confiabilidade e sigilo e devo confessar que também não os procurei, nem pelos meus advogados. Porém, acho que eles exageraram na dose, se posicionaram friamente diante da situação, sabendo que as irregularidades com doleiros eram feitas dentro da representação com Marco Antonio Cursini e seu filho Caio Vinicius Cursini e praticadas por toda a representação. A cúpula na Suíça não só sabia, como também criou o mecanismo para viabilização, acobertado pelo representante legal Carlos de Souza Martins. O mecanismo era abrigar no Grupo Credit Suisse, no Hoffman Bank, as movimentações ilícitas pela conta Gela ou Gelateria. Nelas estavam as movimentações da representação brasileira. Essa conta Gela está sendo investigada na Suíça? Não. A conta Gela, até onde eu saiba, nunca foi investigada pelas autoridades suíças, mesmo porque o Marco Antonio Cursini e seu filho Caio Vinicius Cursini estão em suposta delação premiada, aí acredito que eles negociaram imunidade para essa conta. Porém, a imunidade eles recebem no Brasil, e não é extensível à Suíça. Não me consta que o Ministério Público da Suíça esteja investigando essa conta como uma conta de compensação atuando como verdadeira instituição financeira no banco. Mas a Justiça brasileira sabe disso? A Justiça brasileira, a PF e o MPF hoje sabem exatamente tudo sobre os procedimentos criminosos das instituições financeiras. Tanto é verdade que o primeiro passo foi encerrar os escritórios de representação de bancos estrangeiros no Brasil. Não que bancos brasileiros não tenham a mesma atuação, mas não conseguiram comprovar ainda. A substituição dos procedimentos está sendo acompanhada pela Polícia Federal. Hoje o Brasil tem delegacias e Varas especializadas. Devo confessar que a viagem incessante desses chamados "gerentes" só serve para enriquecer advogados. Dr. Fausto (de Sanctis) conseguiu moralizar e a polícia, assustar. Crime financeiro é bem mais complexo do que ganhar liminar e publicar no Conjur. A sra. teme retaliações? Não tenho nada a temer. Só falei a verdade. São eles que têm de provar que sou uma fraude.

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