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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Crédito e contaminação

A renda que se perdeu neste período de isolamento social dificilmente será recuperada

Por Ana Carla Abrão
Atualização:

No mundo todo a crise do covid-19 está impondo desafios que vão além dos impactos na saúde e dos efeitos das medidas de isolamento sobre a economia real. O mercado de crédito e o setor financeiro têm também enfrentado uma enorme mudança, e não será diferente pelos próximos anos, dadas as alterações no comportamento do consumidor bancário e as perspectivas econômicas à frente. Crédito e PIB andam juntos. Mais do que isso, mercados de crédito ativos e profundos geram crescimento econômico. Por outro lado, seu enfraquecimento significa um fator negativo adicional, podendo agir como um reforço à recessão econômica que começa a se desenhar.

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A economia brasileira já está fortemente impactada pela pandemia. Parte desse impacto, mais severo do que em outros países, se explica pela situação de fragilidade que já nos encontrávamos antes mesmo do primeiro caso oficial ser reportado na China. Afinal, não é de hoje que os problemas fiscais, a dificuldade de retomada consistente do crescimento e as crises políticas deflagradas pelo presidente da República e seu entorno nos assombram. Não é de se surpreender que tenhamos caído nesse abismo. Mas é certamente de se lamentar.

As ações das empresas brasileiras sofreram com quedas médias na B3 superiores às observadas em nossos pares e a desvalorização do real superou a das moedas de países similares. A economia real sente o impacto da interrupção da atividade e marcha a passos largos a caminho da recessão que, sabemos, se traduz em quebra de empresas, mais desemprego, em destruição de riqueza e renda e em aumento da desigualdade. Há que se agir para evitar, ou ao menos minimizar essas perdas.

Pelo lado do mercado de crédito o impacto já está sendo sentido. Inicialmente, a busca por liquidez pressionou as concessões. Na sequência, os programas de recomposição de renda e de linhas de crédito para o pagamento dos salários de pequenas empresas visaram à provisão de liquidez emergencial. Há ainda os programas de recompra de títulos privados de crédito e de liberação de compulsórios, também mirando liquidez e alívio neste momento agudo da crise.

Mas há um futuro pela frente. E ele não parece nada róseo pois não há como ignorar que a renda que se perdeu nestes quase dois meses de isolamento social dificilmente será recuperada. Além disso, a manutenção do controle da pandemia só virá com uma volta gradual da atividade, respeitando protocolos que também imporão a recomposição da renda e das receitas de forma igualmente gradual e em patamares inferiores aos números observados pré-crise. Ou seja, o ano de 2020 (e possivelmente o de 2021) será marcado pela frustração de receita e, consequentemente, pelo aumento do risco e da inadimplência. Se crédito anda junto com PIB, inadimplência responde a desemprego e custo de crédito ao nível de risco. Na nossa última crise, em 2015, a elevação do risco veio acompanhada, como esperado, pela contração do crédito. Não deverá ser diferente nesta crise e precisamos de ações estruturadas, coordenadas e corretas para tentar atenuar esses efeitos sobre a economia.

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O ponto de partida é lembrar que ações populistas e midiáticas, como as interferências diretas no funcionamento do mercado de crédito, não trazem solução. Ao contrário, o mercado de crédito no Brasil voltou a crescer e ganhou eficiência graças à reversão das ações atrapalhadas dos finados anos do governo Dilma Rousseff, quando bancos públicos atuaram artificialmente para forçar queda de juros e o BNDES financiou largamente quem não precisava a juros subsidiados. A consequência foi a atrofia do mercado e a transferência de uma enorme conta para o Tesouro Nacional. Ambos extremamente danosos para a economia. Por isso, há que se focar em ações estruturadas, como as que o Banco Central vem anunciando até aqui. Mas é necessário, acima de tudo, fugir das ações fáceis – e invariavelmente danosas – que rompem contratos e criam cunhas. Projetos de lei oportunistas ou as decisões judiciais desprovidas de fundamento encabeçam essa lista.

Não é assim que se mitigam os efeitos da crise sobre o mercado de crédito, mas sim com coordenação, com ações que permitam responder às emergências de curto prazo e construir soluções de médio e longo prazo que preservem os contratos, as regras vigentes e, portanto, a solvência de longo prazo. Do contrário ficará muito mais difícil a volta do crédito e a reconstrução das bases para a retomada do crescimento.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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