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Crise, agricultura e trabalho

Por Antônio Márcio Buainain e Claudio Salvadori Dedecca
Atualização:

A crise que pôs a economia mundial de joelhos teve impacto suave no Brasil, e dentre as explicações duas merecem destaque: a reduzida dependência energética externa e a capacidade de exportação, mesmo que caracterizada por uma baixa densidade tecnológica. O controle da dívida externa e a posição favorável das contas com o exterior dispensaram a aplicação de políticas para conter as importações e preservar o superávit comercial, que no passado abortavam o crescimento na fase inicial do ciclo, transformando-os em meros espasmos. É inegável a contribuição da agricultura brasileira para a relativa estabilidade e as condições favoráveis para enfrentar a crise e crescer, seja produzindo energia, alimentos e matérias-primas para o mercado doméstico, seja gerando robustos saldos comerciais. Além do mais, o conjunto de atividades associadas à produção agropecuária tem tido papel relevante na sustentação do mercado doméstico, tanto de bens de produção e insumos como de bens de consumo, em todo o território nacional. O agronegócio brasileiro é, com certeza, um dos mais competitivos do mundo, o que coloca o País como um dos principais produtores de alimentos e de bioenergia das próximas décadas. Além do acesso à tecnologia e à capacidade de inovação, as questões ambientais e as relações sociais serão fatores de competitividade determinantes para transformar esse potencial em realidade. É preciso evitar que sejam um novo calcanhar de aquiles do agronegócio brasileiro. Ameaças não faltam! Quando se considera a situação do meio rural, nota-se um descompasso entre a liderança no campo da produção e as condições de vida e de trabalho da população ocupada na agricultura. Apesar da urbanização acelerada e das migrações massivas, o País ainda conta com uma população ocupada agrícola de 16 milhões de pessoas, superior ao mercado de trabalho nacional de muitos países importantes. A análise da estrutura ocupacional na agricultura brasileira (ver Buainain, A.M. e Dedecca, C.S., org. O mercado de trabalho rural no Brasil contemporâneo. Brasília, IICA-NEAD, 2009, disponível em http://www.iicaforumdrs.org.br/index.php?saction=conteudo&idMod=32) revela uma exacerbada heterogeneidade de relações de trabalho no campo, que reflete em parte a própria complexidade da estrutura produtiva e em parte a herança histórica de exclusão social. Em 2006, 4 milhões de pessoas exerciam ocupações não remuneradas ou para próprio consumo, em pequenas unidades familiares, com nível de renda próximo à linha da pobreza. Na outra ponta, somente 1,5 milhão era de empregados com carteira de trabalho assinada. Entre as atividades que mais empregam estavam a criação de bovinos e de aves e as lavouras temporárias, como o cultivo de milho e da mandioca, ambos associados aos sistemas produtivos dos pequenos agricultores familiares (embora o milho seja também produzido em maior escala). A presença de relações de trabalho formais é maior nos segmentos mais avançados e dinâmicos, embora a heterogeneidade ocupacional atinja tanto os setores menos intensivos em tecnologia, que são aqueles que mais absorvem mão de obra - a maioria em condições precárias de trabalhadores não remunerados -, como os considerados mais modernos. Ademais, um baixíssimo nível educacional e a reduzida remuneração predominam na estrutura ocupacional agrícola, mesmo nos segmentos de alta produtividade. Considerando o tamanho da população ocupada nas atividades agrícolas e a contribuição do setor para a inserção internacional favorável do País, é fundamental definir uma política de emprego rural e uma estratégia consistente de redução da heterogeneidade e da precariedade ocupacional mencionada. Maior escolaridade e qualificação permitirão remunerações mais elevadas; condições de trabalho adequadas, que levem em conta as especificidades do setor sem transgredir na proteção social efetiva do trabalhador, são mudanças decisivas para a consolidação de uma agricultura com capacidade competitiva de longo prazo. Ademais, uma alteração dessa natureza na estrutura ocupacional permitiria modificar positivamente o processo migratório campo-cidade, seja reduzindo o fluxo de população pobre para as pequenas e médias cidades, seja criando possibilidade do migrante se incorporar à economia urbana de forma mais adequada. *Antônio Márcio Buainain (buainain@eco.unicamp.br) e Claudio Salvadori Dedecca (claudio.dedecca@eco.unicamp.br) são professores do Instituto de Economia da Unicamp

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