PUBLICIDADE

Publicidade

Crise de confiança adia recuperação da economia argentina

Para analistas ouvidos pela BBC Brasil, desconfiança de investidores é principal barreira para o país.

Por Marcia Carmo
Atualização:

A recuperação da economia da Argentina, abalada por uma série de indicadores negativos, pelo impacto da crise mundial e por denúncias de manipulação de dados oficiais, tem como principal obstáculo a desconfiança de observadores, investidores e correntistas, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil. Para os economistas, o principal indicador da falta de confiança em relação à economia argentina é a fuga recorde de capitais nos últimos três anos. Entre 2007 e julho de 2009, mais de US$ 43 bilhões saíram do sistema financeiro argentino. Um balanço da consultoria Ecolatina, fundada pelo ex-ministro Roberto Lavagna, afirma que, se a "crise crônica de confiança" não for "revertida", a economia argentina continuará "anêmica". "Hoje, a economia argentina está em recessão, com inflação alta, desemprego crescente, problemas de financiamento, deterioração fiscal, pressão tributária recorde e fuga de capitais. Além disso, um em cada três argentinos é pobre", diz o relatório da Ecolatina. Dados diferentes Os dados da consultoria, assim como os de outros analistas independentes, no entanto, são bem diferentes das estatísticas oficiais. Desde 2007, a oposição e funcionários do próprio Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Preços, órgão oficial equivalente ao IBGE no Brasil) acusam o governo de "manipular" os números de diversos indicadores, incluindo inflação e crescimento. Estas diferenças acabam se refletindo, muitas vezes, em prognósticos divergentes. "Nossas estimativas indicam que a economia argentina terminará o ano com crescimento, mas o problema do país hoje é a falta de confiança", afirmou a secretária-executiva da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), Alicia Bárcena, à BBC Brasil. O órgão da ONU, que se baseia nos criticados dados oficiais do governo, prevê um crescimento de 1,5% do PIB argentino em 2009. Já para dois dos principais economistas do país, Ricardo Arriazu e Miguel Kiguel, a economia argentina terminará o ano com retração entre 2,5% e 3%. "O pior é que hoje, na Argentina, não há ninguém para dizer se nos enganamos ou não com este prognóstico", diz Arriazu, em uma referência ao Indec, cujos dados são alvo das denúncias de manipulação a pedido do governo. Pobreza Os dados sobre o aumento da pobreza também geram polêmica. A Sel Consultores afirma que hoje 32% dos argentinos estão na pobreza. Para o Observatório da Dívida Social, da Universidade Católica Argentina (UCA), o índice é de 35%. Já o governo calcula que o número é de apenas cerca de 15%. Segundo Ernesto Kritz, sociólogo da Sel Consultores, antes dos problemas mais recentes - entre 2003 e o segundo semestre de 2006 - a pobreza na Argentina havia caído pela metade, de 54% para 27% da população. "A situação começou a mudar a partir de 2007, com a alta da inflação, que afetou principalmente os mais pobres", diz Kritz. "Na mesma ocasião, os dados oficiais passaram a ser maquiados." "Hoje, a maioria dos pobres têm trabalho, mas o salário é insuficiente para necessidades básicas", acrescenta. "Com o estancamento da economia, a Argentina parou de criar empregos." Agricultura e barreiras Outros dois fatores que contribuem para o cenário de desconfiança são a longa disputa entre o governo da presidente Cristina Kirchner e os produtores rurais e as barreiras às importações, que começam a provocar falta de alguns produtos nas redes de eletrodomésticos. Os produtores rurais reclamam dos impostos para a exportação e da falta de incentivos ao setor. "A presidente deu um tiro no pé ao comprar essa briga com o setor rural, um dos principais setores da economia argentina", diz um observador do governo brasileiro. Hector Huergo, especialista no setor agropecuário, avalia que a situação argentina tem levado o país a perder espaço para o Brasil no mercado internacional. "A estratégia dos governos Kirchner (de Cristina e seu antecessor, Nestor) foi colocar um freio na expansão da produção e nas exportações agropecuárias, com o argumento de que estavam defendendo a mesa dos argentinos." "Mas agora o que vemos é o aumento da pobreza no país e um retrocesso em um setor que vinha batendo recordes de produtividade", diz Huergo. Já as medidas protecionistas do governo afetam as prateleiras de brinquedos, televisores de LCD e móveis, entre outros. As barreiras às importações também foram a justificativa para o fechamento recente, por exemplo, das lojas de roupas C&A e Armani no país. "A nossa esperança é que o governo brasileiro faça alguma coisa para derrubar estas barreiras, ou começaremos a não ter produtos para vender", afirmou à BBC Brasil um empresário argentino do setor de eletrodomésticos e móveis. Histórico de crises Para analistas e empresários, a Argentina precisa corrigir os "erros internos", como a suposta maquiagem dos dados oficiais. Caso contrário, o país não conseguirá reconquistar a confiança em seu sistema político e econômico e aproveitar os efeitos positivos da maior demanda da China por commodities - principalmente, soja. "A economia do país tem tudo pra crescer, empurrada por seus principais parceiros comerciais, China e Brasil. Mas precisa resolver o problema das estatísticas oficiais", diz o economista Mario Blejer, ex-presidente do Banco Central. Apesar dos problemas, os argentinos avaliam que a crise atual é diferente da de 2001. "Em 2001, houve um tsunami. Não percebo isso agora. Mas a Argentina precisa arrumar logo a casa para não bater de novo contra o muro", diz Cristiano Rattazzi, presidente da Fiat no país. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.