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Crise do coronavírus vai mudar o mundo do comércio

Empresas que conseguirem sobreviver vão encarar um novo ambiente para negócios

Por The Economist
Atualização:

A maioria dos chefes e trabalhadores já passou por crises econômicas antes. Eles sabem que cada vez a agonia é diferente e que em cada uma delas os empreendedores e as empresas se adaptam e se recuperam. Mesmo assim, o choque que atinge o mundo dos negócios é assustador. Com países que respondem por mais de 50% do PIB mundial em confinamento, o colapso na atividade comercial é mais grave que nas recessões anteriores.

Idosos caminham em Veneza para fazer compras Foto: Manuel Silvestri/Reuters

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O caminho de saída do isolamento será precário, com consumidores apreensivos, um ritmo de parada inicial que inibe a eficiência e novos protocolos de saúde complicados. E a longo prazo, as empresas que sobreviverem terão que dominar um novo cenário, à medida que a crise e a resposta a ela acelerarem três tendências: uma adoção energizante de novas tecnologias, um recuo inevitável das cadeias globais de suprimentos e uma preocupante ascensão dos oligopólios bem conectados.

Muitas empresas estão tomando atitudes corajosas. Cheios de adrenalina, chefes estão transmitindo mensagens empolgantes para seus funcionários. Gigantes corporativos impiedosos estão se atribuindo tarefas para o serviço público. A LVMH, fornecedora parisiense de perfumes Dior, está fabricando álcool em gel, a General Motors quer fabricar ventiladores pulmonares e pick-ups, e o fundador do Alibaba está distribuindo máscaras por todo o mundo. Rivais no comércio varejista estão cooperando para garantir que os supermercados se mantenham com estoque. Poucas empresas listadas tornaram públicos seus cálculos dos prejuízos financeiros causados pelo congelamento dos negócios. Como resultado, analistas de Wall Street esperam apenas uma ligeira queda nos lucros de 2020.

Mas não se deixe enganar por tudo isso. Na última recessão, dois terços das grandes empresas americanas sofreram queda nas vendas. No pior trimestre, a queda média foi de 15% em relação ao ano anterior. Nesta desaceleração, quedas de mais de 50% serão comuns, à medida que as ruas movimentadas se tornarem cidades fantasmas e as fábricas forem fechadas. Inúmeros indicadores sugerem desgaste extremo.

A demanda global de petróleo caiu em até um terço; o volume de carros e peças transportadas pelas ferrovias americanas caiu 70%. Muitas empresas têm apenas inventários e dinheiro suficientes para sobreviver por três a seis meses. Como resultado, elas começaram a demitir ou deixar de pagar os funcionários. Na quinzena anterior a 28 de março, 10 milhões de americanos pediram subsídios de desemprego. Na Europa, talvez 1 milhão de empresas se apressaram em reivindicar subsídios estatais para os salários de funcionários inativos. Dividendos e investimentos estão sendo cortados.

A dor vai se aprofundar à medida que o efeito cascata atingir as cadeias de pagamento domésticas. A H&M, uma varejista, está pedindo suspensão de aluguel, prejudicando empresas de propriedades comerciais. Algumas cadeias de suprimentos que conectam muitos países estão paralisadas por causa do fechamento de fábricas e controles de fronteiras. O confinamento da Itália interrompeu o fluxo global de tudo, de queijo a componentes de turbinas a jato.

As fábricas da China estão voltando à ação. Os fornecedores da Apple insistem bravamente em que novos telefones 5G serão lançados ainda este ano, mas eles fazem parte de um sistema complexo que só é tão forte quanto o seu elo mais fraco. O governo de Hong Kong diz que suas empresas estão cambaleando conforme as multinacionais cancelam pedidos e ignoram faturas. A tensão financeira irá revelar algumas fraudes surpreendentes. A Luckin Coffee, uma enorme cadeia chinesa, acaba de admitir que manipula seus registros contábeis.

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Nas duas últimas recessões, cerca de um décimo das empresas com classificação de crédito ficou inadimplente em todo o mundo. A sobrevivência agora depende de sua indústria, de seus balanços e da facilidade com que podem obter empréstimos, garantias e ajuda do governo, que totalizam US$ 8 bilhões apenas nas grandes economias ocidentais. Se sua empresa vende produtos de confeitaria ou detergente, a perspectiva é boa.

Muitas empresas de tecnologia estão vendo uma demanda crescente. As pequenas empresas sofrerão mais: 54% nos Estados Unidos estão fechadas temporariamente ou esperam fazê-lo nos próximos dez dias. Elas não têm acesso ao mercado de capitais. E sem amigos nos altos escalões, terão dificuldade em obter ajuda do governo. Apenas 1,5% do pacote de ajuda de US$ 350 bilhões dos Estados Unidos para pequenas empresas foi desembolsado até agora e o esforço da Grã-Bretanha também foi lento. Os bancos estão lutando para lidar com regras contraditórias e uma enxurrada de pedidos de empréstimos. A mágoa pode durar anos.

Depois que as saídas dos isolamentos começarem e o teste de anticorpos aumentar, uma nova fase intermediária será iniciada. As empresas ainda estarão engatinhando, sem funcionar normalmente (a China ainda está funcionando apenas com 80-90% da capacidade). A engenhosidade, e não apenas a força financeira, se tornará uma fonte de vantagem, permitindo que empresas mais inteligentes operem mais perto da velocidade máxima.

Isso significa reconfigurar as linhas de fábrica para o distanciamento físico, monitoramento remoto e limpeza profunda. As empresas voltadas para o consumidor precisarão tranquilizar os clientes: imagine conferências distribuindo máscaras n95 com o programa e restaurantes anunciando seus regimes de testes. Mais de um quarto das 2000 maiores empresas do mundo têm mais dinheiro que dívidas. Algumas comprarão rivais para expandir sua participação no mercado ou garantir seu suprimento e distribuição.

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O trabalho dos conselhos não é apenas evitar que as empresas afundem, mas também avaliar as perspectivas de longo prazo. A crise deve ampliar três tendências. Primeiro, uma adoção mais rápida de novas tecnologias. O planeta está tendo um progresso intensivo em comércio eletrônico, pagamentos digitais e trabalho remoto. Mais inovações médicas acenam, incluindo tecnologias de edição de genes.

Segundo, as cadeias de suprimentos globais serão reformuladas, acelerando a mudança desde o início da guerra comercial. A Apple possui apenas dez dias de estoque e seu principal fornecedor na Ásia, a Foxconn, 41 dias. As empresas buscarão armazenamentos de segurança maiores e uma massa crítica de produção perto de casa, usando fábricas altamente automatizadas. O investimento comercial entre fronteiras pode cair de 30% a 40% este ano. As empresas globais se tornarão menos rentáveis, mas mais resilientes.

Não vá da crise para a estagnação

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A última mudança de longo prazo é menos certa e mais indesejável: um aumento adicional na concentração e no nepotismo das empresas, à medida que o dinheiro do governo inunda o setor privado e as grandes empresas se tornam ainda mais dominantes. Dois terços das indústrias americanas já se tornaram mais concentradas desde os anos 1990, minando a vitalidade da economia.

Agora, alguns chefes poderosos estão anunciando uma nova era de cooperação entre políticos e grandes empresas - especialmente aquelas da lista cada vez maior de empresas consideradas "estratégicas". Eleitores, consumidores e investidores devem lutar contra essa ideia, pois ela significará mais corrupção, menos concorrência e crescimento econômico mais lento. Como todas as crises, a calamidade da covid-19 passará e, com o tempo, uma nova onda de energia comercial será desencadeada. Muito melhor se isso não for abafado pelo governo permanentemente superdimensionado e por uma nova oligarquia de empresas bem conectadas. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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