06 de agosto de 2020 | 15h48
BRASÍLIA — Ideia com forte apelo popular no Brasil, o tabelamento das taxas de juros voltou a ser discutido no Congresso durante a pandemia do novo coronavírus. O projeto de lei nº 1.116, que limita os juros no cartão de crédito e no cheque especial, está pautado para a sessão desta quinta-feira, 6, do Senado, marcada para as 16 horas. Para a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o tabelamento pode ter um efeito contrário do esperado e até mesmo agravar a crise econômica.
O projeto foi apresentado em março deste ano pelo senador Alvaro Dias (Podemos-PR), quando a pandemia se intensificou no Brasil. A proposta original era de que, até julho de 2021, os bancos cobrariam até 20% ao ano em operações de crédito com cartão e no cheque especial. Para obrigar as instituições a manter a oferta de crédito, o texto proíbe a redução dos limites no cartão e no cheque neste período.
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Posteriormente, para a proposta ter mais apoio entre os parlamentares, o teto proposto foi ampliado para 30% ao ano no caso dos bancos e a 35% ao ano entre as fintechs (empresas de tecnologia do setor financeiro). Já a duração do tabelamento coincidiria com o período de calamidade da pandemia, que a princípio vai até 31 de dezembro.
Ao justificar a proposta, Alvaro Dias defendeu que, durante a crise, o cartão de crédito e o cheque especial seriam utilizados por profissionais liberais e empregados em geral para pagar as contas. Sem renda, eles entrariam no rotativo do cartão, com juros que “superam 300% ao ano, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central, com instituições financeiras cobrando até mais de 600%”. “Situação semelhante ocorre com o cheque especial”, acrescentou Dias na justificativa.
Na época da apresentação do projeto, chamou a atenção o fato de a justificativa não conter nenhum tipo de estudo ou cálculo – mesmo que resumido – sobre o motivo para que a taxa fosse limitada a 20% ao ano. “Com a taxa Selic tão baixa, não é razoável manter juros superiores a 600% ao ano”, defendeu Alvaro Dias. “Uma taxa de 20% ao ano é absolutamente satisfatória e suficiente para remunerar as instituições de crédito nesse período de crise.”
A ampliação do teto para 30% ao ano, feita por meio do parecer do senador Lasier Martins (Podemos-RS), tampouco se aprofunda sobre o motivo para o porcentual sugerido ser este – e não 50% ou 60% ao ano, por exemplo.
Os dados do Banco Central mostram que em fevereiro – antes do isolamento social – o juro médio do rotativo do cartão de crédito para pessoas físicas estava em 322,8% ao ano. Em junho, o porcentual era de 300,3% ao ano. De 55 instituições acompanhadas pelo BC, apenas 5 cobravam taxas superiores a 600% ao ano em julho: Sax CFI, Omni CFI, Agibank, Banco Triângulo e Omni Banco. Estas instituições abarcam fatia pequena do mercado de crédito.
No caso do cheque especial, a taxa média era de 130,6% ao ano em fevereiro e de 110,2% ao ano em junho.
Em uma iniciativa que pode conferir mais lógica ao tabelamento de juros, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou hoje uma emenda que limitaria os juros no cartão e no cheque especial à média das outras linhas bancárias de crédito sem garantia, colocando um teto de 60% ao ano. Nos bastidores, a pressão é grande para essa mudança ser feita. A alteração afrouxaria o projeto, mas ainda o deixaria com forte impacto, na avaliação do economista Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP).
Para Duque, a limitação levaria os bancos a diminuírem a oferta de crédito, causando o efeito inverso ao pretendido. “Quanto menor a oferta de crédito, menor vai ser o consumo das famílias, a capacidade de gerar consumo e manter os níveis de consumo especialmente no cenário após o auxílio emergencial. Um impacto muito forte não só fiscal, mas também econômico.”
Para contrapor o argumento de redução na oferta de crédito, o projeto proíbe os bancos de reduzirem, até o fim de dezembro, os limites que estavam disponíveis em 19 de março de 2020. Na opinião do especialista, isso abre brecha para novas medidas de limitação no futuro.
Embora o projeto ainda tenha que passar pela Câmara e pela sanção do presidente Jair Bolsonaro, caso seja aprovado no Senado, ele é uma preocupação para as instituições financeiras. Isso porque, em um País marcado pelos altos juros, o tabelamento possui forte apelo popular, ainda mais em um momento de crise.
Em maio, reportagem do Estadão mostrou que, em função da pandemia, 352 propostas de quebras de contratos passaram a tramitar no Congresso, nas 15 principais Assembleias Legislativas e na Câmara de São Paulo. Entre eles, estava a proposta apresentada por Alvaro Dias para limitar os juros no cartão e no cheque.
Economistas e juristas alertavam que projetos assim representavam a institucionalização da insegurança jurídica e poderiam elevar os custos em outras linhas de crédito. Na prática, se os bancos forem obrigados a ofertar crédito a taxas específicas, a despeito da inadimplência neste momento de crise, eles podem compensar o aumento do risco por meio de outras linhas.
Por meio de nota, a Febraban defendeu que “o tabelamento, ao invés de promover alívio financeiro, pode agravar a crise por distorcer a formação de preços, criar gargalos e gerar insegurança jurídica”. “Por isso, vê com preocupação propostas que promovem intervenção artificial na atividade econômica e nos contratos. Situações como essas ocorreram no passado e a história já revelou que não se mostraram eficazes”, acrescentou a entidade.
Propostas como a de Alvaro Dias encontram respaldo entre os parlamentares – interessados em agradar suas bases eleitorais – porque o Brasil não conseguiu, nas últimas décadas, resolver o problema dos juros na ponta final.
A Selic (a taxa básica de juros) está em 2% ao ano, seu menor nível da história, e os juros das linhas de crédito para famílias e empresas estão em níveis mais baixos que os vistos em anos anteriores. Ainda assim, a própria Febraban e o Banco Central reconhecem que é preciso reduzir ainda mais o custo do crédito. Nos últimos anos, surgiram tentativas neste sentido.
Em abril de 2017, começou a valer a regra que obriga os bancos a transferir, após um mês, a dívida do rotativo do cartão de crédito para o parcelado, a juros mais baixos. A intenção do governo com a regra era permitir que a taxa de juros para o rotativo do cartão de crédito recuasse, já que o risco de inadimplência, em tese, cai com a migração para o parcelado. Isso ocorreu em um primeiro momento, ainda em 2017, mas desde o ano passado a tendência mais geral do juro do cartão foi de alta.
No caso do cheque especial, desde julho de 2018 os bancos estão oferecendo um parcelamento para dívidas. A opção vale para débitos superiores a R$ 200. A expectativa da Febraban era de que essa migração do cheque especial para linhas mais baratas acelerasse a tendência de queda do juro cobrado ao consumidor. No entanto, a medida se revelou insuficiente.
Em função disso, o Banco Central anunciou a limitação dos juros do cheque especial em 8% ao ano (151,82% ao ano). A nova regra começou a valer em 6 de janeiro deste ano. Ainda assim, a taxa máxima de 151,82% – bem acima dos 30% do projeto que está no Senado – é uma das mais elevadas entre todas as linhas disponíveis para famílias e empresas.
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