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Crise energética: especialistas listam 'medidas de guerra' para evitar risco de apagão

Volta do horário de verão, incentivos a painéis solares e cortes seletivos de energia são algumas das propostas de nomes ouvidos pelo 'Estadão' para tentar amenizar o aprofundamento da crise no Brasil

Por Denise Luna (Broadcast), Anne Warth e Renée Pereira
Atualização:

SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA - Na corrida contra o tempo para evitar um racionamento nos moldes de 2001, com corte compulsório de energia, especialistas e executivos do setor ouvidos pelo Estadão apontam algumas medidas para tentar amenizar o aprofundamento da crise. As soluções incluem medidas como contratação emergencial (por meio de cogeração ou térmicas), retorno do horário de verão, aceleração da instalação de painéis solares em residências e até cortes seletivos de energia em determinados momentos do dia.

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Isso não significa que, neste ponto, o País conseguiria escapar do racionamento. Mas, ao menos, poderia reduz o tamanho de eventuais cortes no fornecimento de energia. Uma das primeiras iniciativas que o governo precisa adotar, dizem os especialistas, é a criação de uma ampla campanha publicitária para explicar a situação do setor. 

Para a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, a medida tende a criar maior engajamento da sociedade na redução do consumo. Muita gente ainda não entendeu – ou não sabe – a real dimensão da crise, reflexo da postura do governo em negar a gravidade do cenário.

Com baixa recorde dos reservatórios, País enfrenta risco de apagão; governo evitar falar em novo racionamento Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters

Hoje, segundo dados da consultoria PSR, a chance de o País ter problemas em horários de pico é de 30%, e de ser obrigado a decretar um racionamento tradicional, de 15%. “Nossas simulações e as do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) convergem no sentido de que o tamanho do racionamento não seria superior a 5% da carga e por pouco tempo”, diz o presidente da PSR, Luiz Barroso.

Na avaliação dos especialistas, as medidas anunciadas pelo governo, de redução voluntária de energia, são corretas, mas vieram no momento errado. “Estamos na crise desde maio, e as medidas de incentivo à redução do consumo só vão começar em setembro”, diz o professor da UFRJ Nivalde Castro. Para ele, uma medida que ajudaria a elevar a oferta seria uma negociação com a Bolívia para aumentar a cota do rio Madeira e, assim, elevar a produção da hidrelétrica de Jirau, em cerca de 700 MW médios.

Os especialistas dizem que, além de rezar pela chuva, é preciso torcer para que as medidas de redução surtam efeito. Mas o professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ Marcos Freitas destaca que a população já está tentando economizar por causa dos elevados preços da energia, com a adoção das bandeiras tarifárias. Mesmo assim, ele afirma que o governo tem de lançar mão de toda e qualquer medida que diminua a demanda, mesmo que o ganho seja pequeno. A sugestão dele é retomar o horário de verão para tentar deslocar o consumo em horário de pico.

Para David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e ex-membro da Câmara de Gestão da Crise de Energia em 2001, não basta apenas dar bônus para as pessoas reduzirem o consumo. É preciso punir quem não consegue economizar. “É importante que se dê um sinal econômico da crise para ter a adesão da sociedade.” 

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Apesar das medidas paliativas, os especialistas alertam que a situação é complicada e que o risco de racionamento está cada vez maior.

Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica Foto: Felipe Rau/ Estadão

'É preciso comunicar a crise ao povo', diz presidente da Abeeólica, Elbia Gannoum

Na avaliação da presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, a partir de 15 de setembro já será possível ter uma visão se os consumidores – residenciais e industriais – aderiram ao programa de redução de energia. A partir do resultado, o governo vai saber se precisará lançar mão de outras medidas para enfrentar a crise.

Para ela, se não surtir efeito, uma saída será um rodízio de desligamentos programados por áreas ou regiões para atender à demanda das 14 horas às 20 horas. Em outubro e novembro, diz a executiva, os reservatórios estarão ainda mais baixos do que agora. “Nesse período, estará mais calor e a demanda será maior. Pode ser que, se todo mundo ligar os equipamentos ao mesmo tempo, não tenha energia para todos.”

Elbia diz que uma iniciativa imediata é o governo melhorar a comunicação e investir fortemente numa campanha publicitária. “É preciso ser claro, dizer que o País enfrenta uma grave crise e pedir para a população economizar. Neste momento, comunicação é a chave do negócio para gerar mais engajamento.”

Outra medida seria a contratação de energia emergencial, como aquela produzida por cogeração e termoelétricas flexíveis (em barcos, por exemplo). Para Elbia, as medidas anunciadas na quarta-feira deveriam ter sido adotadas em 1.º de julho, quando já havia projeções de escassez.

David Zylbersztajn, consultor e ex-diretor da ANP Foto: Luciana Prezia/ Divulgação

'Bônus por economia já funcionou', diz David Zylbersztajn

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Com a experiência de quem coordenou o documento com as linhas gerais do racionamento em 2001, o consultor David Zylbersztajn avalia que o governo não deveria ter vergonha de assumir que a crise energética é muito grave e que, se não houver redução no consumo, vai faltar energia no País. 

Ex-diretor geral da ANP e ex-membro da Câmara de Gestão da Crise de Energia (CGCE) em 2001, ele avalia que é urgente que se dê um sinal econômico da crise para conseguir a adesão da sociedade, concedendo bonificação para quem contribuir e penalizando quem não atingir as metas. “Nesse caso, o conceito voluntário não existe, existem custos quando se altera a produção”, afirmou.

“O que funcionou em 2001 foi o sinal econômico, foi o ‘toque de Midas’ do negócio. Quem economizou ganhou bônus e reduziu o valor da conta, e quem passou dos limites levou multa. Se não fizesse isso, não teria a menor chance de dar certo”, disse Zylbersztajn.

Ele lembra que 93% dos consumidores residenciais receberam bônus durante o racionamento de 2001/2002, e as indústrias tiveram cortes compulsórios de 20% do consumo, mas com compensações, o que também deveria ocorrer agora para estimular a adesão dos grandes consumidores. Zylbersztajn disse ainda que o governo deveria aproveitar para fazer uma intensa campanha de eficiência energética. 

Nivalde de Castro, coordenador do Gesel/UFRJ Foto: Arquivo Pessoal

'Medidas certas na hora errada', diz Nivalde de Castro

Para o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, Nivalde de Castro, as medidas adotadas pelo governo estão corretas, mas no timing errado. “Estamos na crise desde maio, e as medidas de incentivo à redução do consumo de energia só entram em setembro.”

Na corrida contra o tempo, diz ele, os cortes seletivos são uma opção ao racionamento convencional. Para atenuar os problemas, uma alternativa seria fechar uma negociação com a Bolívia para que a hidrelétrica de Jirau possa operar em nível mais elevado no Rio Madeira (cota 90). Isso permitiria um acréscimo de 700 MW médios até fim do ano.

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Castro ressalva que, no ritmo em que estamos, sem nova oferta de energia, sem chuva e se o programa de redução voluntária não surtir efeito, a situação ficará bastante complicada a partir de outubro. Se os reservatórios do Sudeste chegarem a novembro com 10% da capacidade, a pressão da água nas turbinas será baixa e poderá comprometer ainda mais o volume gerado. 

Na avaliação dele, as hidrelétricas foram muito demandadas entre outubro do ano passado e fevereiro deste ano. “Já nessa época se sabia que a hidrologia não estava adequada. Logicamente que precisava esperar o fim do período chuvoso para avaliar a situação. No entanto, não era o caso de definir bandeira tarifária verde, como ocorreu.” 

'Empresas podem gerar energia', diz Marcos Freitas

Marcos Freitas, professor da Cope/UFRJ Foto: Alexandra Martins/Agência Câmara

Para o professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Marcos Freitas, o governo não deve desperdiçar nenhuma contribuição para reduzir o consumo de energia, e a volta do horário de verão, mesmo sendo uma contribuição pequena, não deve ser desprezada. Para ele, o governo poderia também acionar a geração centralizada a óleo diesel, que, apesar de igualmente cara devido ao preço do combustível, poderia dar um alívio no horário de pico.

“Empresas, indústria, hospitais, todos têm geração centralizada por segurança que, somados, podem chegar a 6 GWs. O governo poderia dar incentivo econômico para que utilizassem essa geração.” Apesar de bem-vinda, a redução por parte dos consumidores residenciais, na avaliação do professor, só ocorrerá por estímulo econômico, e mesmo assim será limitada porque, com a alta do preço da energia, a maioria já está economizando. 

“Oferecer bônus ao consumidor residencial é interessante, mas não sei como essa contribuição poderia ser calculada, já que grande parte da população também está em home office”, questiona. 

Ele diz que o governo precisa fazer uma campanha de eficiência energética focada no uso de ar- condicionado, o maior vilão atual do setor elétrico, e ser mais claro sobre os riscos da crise, além de estipular metas de economia, em troca de bônus ou multas. 

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Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR Foto: PSR/ Divulgação

'Risco em horário de pico é de 30%', diz  presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso

Nas projeções do presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, o risco de o País ter problemas de atendimento no horário de pico em outubro e novembro é de 30% e de um racionamento ainda neste ano, de 15%. “São riscos altos e que estão sendo atualizados regularmente.”

Segundo ele, o próximo mês será crucial para ter um cenário mais claro. Se no final de setembro tudo tiver dado errado, a demanda não cair e a hidrologia continuar muito ruim, pode, sim, ser necessário implementar um racionamento a partir de outubro. “Nossas simulações e as do ONS convergem no sentido de que o tamanho do racionamento não seria superior a 5% da carga e por pouco tempo.”

Barroso diz que o importante agora é trabalhar para que as medidas funcionem e preparar um plano para operar no limite, além de estruturar regras de um racionamento para deixar na gaveta. 

“Não tem problema dizer que vai pagar para que você reduza o consumo. O que é complicado é fazer isso em cima da hora, pois o consumidor precisa de tempo para assimilar todas as medidas”, destaca ele, exemplificando que a Califórnia manda mensagem para a população reduzir o consumo em determinados momentos do dia. Só neste ano, foram seis pedidos.

Ele diz que uma medida para amenizar a situação poderia vir da geração distribuída – painéis solares nas residências.

Nelson Hubner, ex-diretor da Aneel Foto: André Dusek/ Agência Estado

'É preciso rever o modelo', diz ex-diretor-geral da Aneel, Nelson Hubner

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Cada um terá que fazer sua parte no esforço de poupar energia pelo bem do próprio bolso e da economia brasileira, afirma o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Nelson Hubner. “Para sobrevivermos à crise energética atual, todos terão de fazer sua parte e, ao menos, não desperdiçar energia.”

Com a perspectiva de novo aumento na bandeira vermelha nível 2 e a oferta restrita de energia, Hubner avalia que o País terá de enfrentar os problemas do setor de forma urgente, já que, desde 2014, há problemas de abastecimento em razão do baixo nível dos reservatórios. O maior risco, segundo ele, está na busca de soluções mágicas, como a contratação de térmicas emergenciais a preços elevados e que somente ficarão prontas em dois ou três anos – enquanto o problema é urgente e de curto prazo.

Para Hubner, é preciso rever o modelo de compra de energia, que se baseia na necessidade de contratação de energia de usinas novas pelas distribuidoras e, em última instância, no crescimento do consumo e da própria economia. “Como não houve crescimento econômico, não contratamos quase nada. O que salva o País hoje são as eólicas e solares, esquecidas nos planos emergenciais do governo.”  O mais preocupa, diz ele, são os impactos que as medidas que estão sendo construídas agora terão. Dependendo do modelo, ele será impagável.

Paulo Pedrosa, presidente da Abrace Foto: Wilton Júnior/ Estadão

'Energia barata e conta cara', diz presidente da Abrace, Paulo Pedrosa

O presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa, afirma que o País precisa de um sinal de preços mais realista para a energia e de uma modernização ampla das regras do setor elétrico que evite distorções e custos a0s consumidores.

Pedrosa, diretor da Aneel entre 2001 e 2005, afirma que as soluções de mercado funcionaram naquela época. “No apagão de 2001, tivemos a criação de certificados de direito de consumo livremente negociados entre as indústrias, em um reconhecimento de que a energia tem valor diferente para diferentes consumidores.”

Na avaliação dele, o modelo atual tem distorções que ficam claras em momentos como o atual. Em março, por exemplo, o preço da energia no mercado de curto prazo (PLD) estava em R$ 150 o MWh, sinalizando uma situação hídrica favorável e que, em tese, não exigia o acionamento de térmicas. Mas, ao mesmo tempo, as distribuidoras já estavam pagando R$ 2 bilhões mensais a mais para comprar eletricidade de termoelétricas.

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“O Brasil se tornou o país da energia barata e da conta cara. É um problema que precisa ser enfrentado. Mas temos visto aumentar a prática do bem localizado, que atende interesses econômicos e políticos, em troca do mal distribuído, que pesa para o consumidor”, afirmou. 

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