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Crise francesa pode ser boa para a economia

Sob o comando de Hollande, país perdeu dois anos em ziguezague, primeiro prometendo o fim da austeridade e depois cortando gastos e reduzindo impostos

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Por Redação
Atualização:
Primeiro ministro Manuel Valls, no cargo há cinco meses, busca de nova equipe Foto: AFP

Todo o governo da França anunciou sua inesperada renúncia após amargas disputas internas envolvendo a política econômica.

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Em pronunciamento, o presidente François Hollande anunciou que seu primeiro ministro, Manuel Valls, no cargo há apenas cinco meses, nomearia uma nova equipe nesta terça-feira, 26.

Muita coisa depende do novo gabinete, mas o melhor resultado pode talvez ser o fim das contradições e confusões que marcaram a política econômica desde a eleição do socialista Hollande em 2012.

O detonador imediato desse rearranjo foi uma entrevista publicada pelo diário Le Monde durante o final de semana, seguida por um comício no dia 24 de agosto, nos quais o ministro da economia Arnaud Montebourg, que há muito se posiciona contra a austeridade, criticou a política econômica de Valls. Para ele, a redução forçada do déficit seria uma "aberração econômica" e um "absurdo financeiro". A França não deve se alinhar com os "axiomas ideológicos da direita alemã", acrescentou, e uma política econômica alternativa seria urgentemente necessária.

Para Valls, a provocação foi a gota d'água. O primeiro ministro disse que Montebourg tinha passado dos limites. Agora parece certo que Montebourg não fará parte do novo governo, destino que também pode ser o de outros ministros que criticaram os cortes nos gastos públicos e outras políticas promovidas por Valls.

Entre eles está Benoit Hamon, ministro da educação e aliado de Montebourg na ala esquerda do partido, Christiane Taubira, ministra da justiça que teve desavenças com Valls em questões de justiça criminal, e Aurélie Filippetti, ministra da cultura. Por outro lado, Laurent Fabius, ex-primeiro ministro, deve manter o cargo de ministro das relações exteriores.

À primeira vista, parece se tratar de uma jogada desesperada. A economia se encontra estagnada, registrando dois trimestres consecutivos sem crescimento na primeira metade de 2014. Apesar das repetidas promessas de Hollande para limitar o aumento do desemprego, este continua acima de 10%. E apesar dos esforços recentes para reduzir os gastos públicos, a economia enfraquecida significa que é quase certo que a França ficará aquém da meta do déficit de 3,8% do PIB. Hollande é o presidente menos popular desde o início das pesquisas de opinião na quinta república. Até Valls, que atrai apoio de diferentes partidos com sua posição de reformista e social-democrata moderado, perdeu nove pontos nas pesquisas no mês passado.

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Mas essa crise política também pode representar uma oportunidade. A tragédia francesa sob o comando de Hollande foi o desperdício de dois anos implementando uma política econômica em ziguezague: primeiro ele impôs pesados aumentos nos impostos gerais e prometeu o fim da austeridade, para em seguida começar tardiamente a limitar os gastos públicos, reduzindo impostos e dando apoio à iniciativa privada. A confusão prevaleceu e a confiança ruiu. Os investimentos de negócios foram congelados.

Sempre optando pela ambiguidade em lugar da clareza, Hollande seguiu governando alegremente com tais contradições. Em janeiro deste ano, por exemplo, ele anunciou o início de uma nova política incentivando os empreendimentos privados e cortando €50 bilhões (US$ 66 bilhões) em gastos públicos, nomeando então o popular Valls, de discurso duro, para o cargo de primeiro ministro. 

Mas ele também promoveu Montebourg ao cargo de ministro da economia (mas não das finanças), dando a ele uma plataforma mais sólida para denunciar a própria austeridade e os cortes nos gastos que Valls foi encarregado de implementar. Hollande calculou que o risco de uma política econômica confusa seria mais baixo do que o de manter esse incendiário esquerdista atacando o governo a partir de fora.

Mas agora os limites desse cálculo parecem ter sido alcançados. O resultado mais encorajador que pode sair dessa situação envolveria um rompimento de Hollande com a esquerda do partido, reforçando uma equipe moderada. Já há sinais de que a rede de moderados estaria assumindo cargos chave. Junto com Valls como primeiro ministro, o socialista Jean-Pierre Jouyet, que foi ministro para assuntos europeus no governo de Nicolas Sarkozy, conservador que antecedeu Hollande na presidência, é agora o chefe de gabinete presidencial. Dois economistas razoáveis - Jean Pisani-Ferry e Laurence Boone - têm importantes cargos de conselheiros econômicos.

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Ainda assim, a jogada traz seu risco. Fora do governo, Montebourg e seus amigos não perderão nenhuma oportunidade de atacar aquilo que enxergam como austeridade imposta pela Alemanha. Eles vão se aliar aos verdes, que já se recusaram a participar do governo de Valls, e também a um pequeno de socialistas rebeldes no parlamento, que se abstiveram durante as recentes eleições legislativas. Juntos, os grupos contrários à austeridade podem causar problemas no parlamento e, no limite, levar a cabo a ameaça de novas eleições parlamentares. O lado positivo pode ser uma direção mais clara para a elaboração das políticas econômicas, mas transitando por uma via política muito mais perigosa.

© (2014) The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados.

Da Economist.com, traduzido por Augusto Calil, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado no site www.economist.com

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