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Crise histórica abate companhias do setor elétrico

Dólar em alta e consumo em baixa dificultarão a quitação de débitos de R$ 8 bilhões este ano

Por Agencia Estado
Atualização:

O setor elétrico brasileiro vive uma crise histórica. Boa parte das empresas, distribuidoras ou geradoras, está em dificuldade financeira para honrar dívidas contraídas no passado e já desenha no mercado os primeiros traços de um quadro de inadimplência. Um caminho aberto pela Companhia Energética do Maranhão (Cemar) e pela AES, controladora da Eletropaulo Metropolitana, que pode ser seguido por outras empresas. Para ter idéia, apenas neste ano, os vencimentos do setor elétrico podem superar R$ 8 bilhões, sendo a metade em moeda estrangeira, segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid) e do mercado. A preocupação é se as companhias terão capacidade para honrar todos esses compromissos, levando em conta o atual cenário econômico e energético, com o dólar na casa de R$ 3,60 e consumo de eletricidade em baixa. A AES Elpa, por exemplo, já demonstrou que não tem condições de continuar pagando suas dívidas relacionadas à aquisição do controle da Eletropaulo. Nesta semana, pode ocorrer o desfecho da novela da companhia, que começou durante a privatização com empréstimos contraídos em dólar no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para comprar a maior distribuidora da América Latina. E o final pode ser dramático. Como a AES não pagou US$ 85 milhões vencidos em janeiro, a instituição poderá tomar o controle da distribuidora paulista, que voltaria para o Estado. Outra opção seria alongar a dívida ou tomar para si alguns ativos da empresa americana no Brasil, como a distribuidora AES Sul e a térmica Uruguaiana. A geradora AES Tietê não está em negociação. A decisão, segundo o presidente do banco, Carlos Lessa, poderá sair até sexta-feira. A AES ainda terá de resolver outro problema: a participação, por meio do consórcio Southern Energy Brasil, na Cemig. Para adquirir 14% da estatal mineira, o grupo teve de recorrer ao BNDES e os débitos começam a vencer a partir de maio. Uma alternativa seria vender sua parte aos demais integrantes do consórcio, que tem como sócio, por exemplo, o Opportunity. Intervenção Além da Eletropaulo, que pode voltar às mãos do Estado, a Cemar está sob intervenção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) desde o fim de 2001. Controlada pela americana Pennsylvania Power Light Corporation (PPL), a empresa aguarda uma decisão judicial para conhecer seu novo dono. "A transferência de controle foi interrompida por três liminares que contestam o processo, mas estamos tentando solucionar o problema", afirma o superintendente de fiscalização da Aneel, Romeu Rufino. Ele explica que a intervenção na empresa ocorreu porque havia risco de os problemas econômico-financeiros afetarem o atendimento aos consumidores. Quando entrou no Brasil, a PPL acreditava num rápido crescimento da área de atuação da Cemar, o que não aconteceu. Com alto endividamento e o recuo do consumo por causa do racionamento, as receitas da distribuidora não foram suficientes para honrar os compromissos que venciam. Ao mesmo tempo, a controladora cessou as injeções de capital para ajudar a companhia, o que foi deteriorando sua situação financeira. "A solução que encontramos foi mudar a gestão", diz Rufino. Dólar Segundo a pesquisadora do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mariana Iootty, as empresas se endividaram demais durante as privatizações acreditando num crescimento rápido do mercado, que não se concretizou. Além disso, ressalta ela, essas companhias contraíram dívidas em moeda estrangeira, sendo que suas receitas são em reais. "Para mim, elas adotaram uma estratégia equivocada no Brasil", completa. Na avaliação do diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), Adriano Pires, a situação das empresas começou a "degringolar" a partir da desvalorização do real em 1999, quando o câmbio passou a flutuar, e elevou o endividamento das empresas. O problema é que as empresas apostaram num câmbio estável e deixaram de se proteger de possíveis oscilações. A Companhia Energética de São Paulo (Cesp), por exemplo, é uma das companhias brasileiras mais endividadas em moeda estrangeira (80% dos débitos). Nos próximos meses, a companhia também enfrentará duros desafios para honrar seus vencimentos. Só neste ano, a empresa terá de pagar cerca de R$ 2,8 bilhões. Para isso, terá de fazer captações no mercado, avisou o secretário de energia do Estado de São Paulo, Mauro Arce. Outro problema que tem atormentado a Cesp é a liberação dos contratos de longo prazo, que começaram este ano de acordo com os contratos de concessão. Até 2006, a previsão é que toda a energia esteja livre para ser comercializada no mercado com base em novos contratos firmados entre as empresas. Receita Mas com a redução do consumo, ainda efeito do racionamento, os 900 megawatts (MW) de energia da geradora que foram liberados dos contratos este ano estão sem comprador de longo prazo. Com isso, essa eletricidade é vendida no Mercado Atacadista de Energia (MAE), cujo o preço do MWh está em torno de R$ 4. Nos contratos de longo prazo, essa energia era vendida por cerca de R$ 40, o que representa queda nas receitas. Esse problema tem afetado todas as geradoras federais, como Furnas, Chesf e Eletronorte. Conseqüentemente, o poder de investimento dessas empresas, que o governo pretendia usar para impulsionar obras no setor, também é reduzido. Outra companhia que enfrentará momentos decisivos este ano em relação ao pagamento de dívidas é a holding que controla a CPFL. Segundo dados da Anbid, a empresa terá de pagar em maio R$ 1,3 bilhão em debêntures. Mas, somando outros débitos, o montante a pagar chegaria a R$ 1,8 bilhão, afirma o analista da Standard & Poor´s, Marcelo Costa. A empresa também já deu sinais de que deverá fazer captações no mercado para quitar a dívida. Mas, segundo especialistas, o momento não é propício para fazer emissões. Segundo a analista da Dreyfus Brascan, Aline Cardoso, além de juros altos, os investidores só aceitam aplicar nesses papéis no curto prazo. O resultado é a elevação da dívida, que acaba provocando, futuramente, novo aumento do custo da energia.

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