PUBLICIDADE

Publicidade

Crise no governo Kirchner se aprofunda

Por Agencia Estado
Atualização:

A primeira crise no governo do presidente Néstor Kirchner se aprofundou mais do que se esperava e abriu uma grande dúvida sobre a permanência de Daniel Scioli na vice-presidência da Nação. Néstor Kirchner demitiu todos os funcionários de confiança de Scioli, da Secretaria de Turismo e Esportes, começando pelo secretário, cargo antes ocupado pelo vice-presidente, esvaziando todo seu poder político e de influência dentro do governo. A demonstração de força do presidente deixou o vice em uma delicada situação, na qual passará a ser somente uma figura institucional no Senado, já que pela Constituição argentina, o vice-presidente ocupa o cargo de presidente desta Casa, com a mera função "decorativa". A decisão do presidente Néstor Kirchner de esvaziar o poder do vice foi um claro sinal de que não admitirá dissidências internas no caminho que ele decidiu adotar para o seu governo. Inevitavelmente, o fato remete aos muito próximos tempos de De la Rúa e Chacho que terminaram com a maior crise do país e com um saldo de 30 mortos e centenas de feridos (dezembro de 2001). A atitude de Kirchner foi um gesto de força que o ex-presidente Fernando de la Rúa nunca demonstrara em seu curto mandato de dois anos e que iniciara sua bancarrota com a renúncia de seu vice Carlos Chacho Álvarez. Porém, significa uma sacudida institucional, apenas três meses depois de sua posse, e em momentos em que os agentes econômicos e sociais reivindicam mais calma e segurança da embarcação para avançar na reativação ainda não garantida. Diferenças evidentes As diferenças entre o presidente e o vice foram evidenciadas e cresceram nas duas últimas semanas por causa de questionamentos de Scioli sobre duas políticas chaves de Kirchner: a nulidade das leis de perdão aos ex-torturadores da ditadura da década de 70 e o aumento das tarifas dos serviços públicos. Enquanto Kirchner impulsionava a derrubada das leis de Obediência Civil e de Ponto Final que livrou da cadeia os ex-repressores, Scioli afirmara que em "em um país sério o Congresso não anula suas leis". Ao contrário do duro posicionamento de Kirchner de não ceder às pressões das empresas privatizadas para aumentar as tarifas dos serviços enquanto a revisão dos contratos não fosse concluída, Scioli anunciara em um congresso dos principais empresários do país, que o aumento seria concedido em dois meses para a energia elétrica e o gás. Na contramão do estilo "K", imprimido por Kirchner, de não reunir-se com empresários e representantes dos setores financeiros do país, nos primeiros três meses de governo, Scioli decidira ocupar o espaço de ser uma espécie de "ponte" entre estes setores e o governo. O vice- presidente participou de reuniões, congressos e recebeu diversos empresários e homens identificados pelo presidente como "sabotadores" da economia argentina ou de "defensores" de seus próprios lucros. No mesmo dia em que a crise estourou, último 13 de agosto, Daniel Scioli recebeu os representantes dos banqueiros de capital externo, e posou para a foto como o porta-voz do empresariado junto ao presidente Kirchner. Mercosul Um dia antes, o vice-presidente meteu-se novamente onde não foi chamado ao receber os homens da poderosa União Industrial Argentina (UIA), os quais foram reclamar da suposta "invasão" dos produtos brasileiros no mercado argentino. À eles, Scioli prometeu mecanismos de proteção à indústria local contra o Brasil, tocando numa das políticas prioritárias de Kirchner: recompor o Mercosul junto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dirimir o conflito comercial é uma tarefa dos ministérios de Economia e de Relações Exteriores, os quais já estão mantendo diversas reuniões com seus pares brasileiros e até o momento não fizeram nenhuma afirmação sobre a adoção de mecanismos de salvaguardas. Scioli diz que não vai renunciar Daniel Scioli afirmou que não pensa em renunciar ao cargo, como dizem os boatos que circulam nos mercados e na imprensa argentina. Em entrevista ao jornal Clarín, perguntado se iria renunciar, Scioli disse: "Nem me passa pela cabeça. Só penso em meu compromisso com o povo. Agora mais que nunca, turismo e esportes". Desautorizado completamente pelo presidente, depois de esperar em vão até às 23:30 horas de ontem para ser recebido por Néstor Kirchner, Daniel Scioli afirmou que estava "tranquilo" e que "sente" que sua "responsabilidade cresceu" com seus eleitores. "Penso nos pobres, nos desocupados. Não lhes vou falhar", afirmou Scioli quem também destacou que o povo também o elegeu. Para o vice-presidente, a relação com o presidente poderá ser equilibrada, apesar de tudo, ao dizer que é ?uma pessoa sensata, racional e que busca consensos. Não sou ressentido". Segundo ele, Néstor Kirchner "não o está obrigando a renunciar" e descartou qualquer semelhança entre ele e o ex-vice-presidente Carlo Chacho Álvarez, quem renunciou em 2001, menos de dois anos após a eleição e deu o pontapé inicial à crise política-institucional e financeira da Argentina.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.