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Crise - real deve se fortalecer

Por Nathan Blanche
Atualização:

Os dados da balança comercial de janeiro de 2009 não são nada animadores. Certamente, se os tomássemos como base e somássemos as surpresas negativas em termos de atividade econômica ao redor do mundo nos últimos seis meses, projetaríamos um ano muito negativo, tanto para as contas correntes como para a conta capital, induzindo a uma estimativa de taxa de câmbio mais depreciada. Neste artigo pretendemos fundamentar, mesmo com todas as incertezas que pairam e ao contrário dos indicadores de curto prazo, por que continuamos a projetar menor déficit em transações correntes e superávit na conta capital neste ano, além de uma taxa de câmbio de R$ 2 por dólar ao final do período. Para projetar as principais rubricas do balanço de pagamentos, usamos como base um cenário em que a economia mundial sofre expressiva desaceleração (com expansão de 1,3%), mas que contempla ainda um crescimento da economia chinesa ao redor de 8%. Para o Brasil, nossa expectativa é de uma perda de ritmo também importante, com crescimento de apenas 1,5%. Nesse contexto, as transações correntes devem ter seu saldo negativo reduzido de US$ 28,3 bilhões para US$ 15,1 bilhões neste ano, e a conta capital deve ser mais do que suficiente para financiar o déficit em transações correntes, gerando ainda um excedente de US$ 19,8 bilhões. A despeito de um menor déficit em transações correntes, o fluxo de comércio deve sofrer uma forte retração - de US$ 371,1 bilhões para US$ 314,1 bilhões -, resultado de exportações na ordem de US$ 168 bilhões e de importações de US$ 146 bilhões, o que gera um saldo comercial de US$ 21,8 bilhões. Os setores do agronegócio e da mineração e siderurgia continuarão exercendo função preponderante na formação dos saldos de balança, contribuindo com mais de 300% do seu resultado. Mesmo considerando uma redução do fluxo de comércio nesses dois itens, eles continuarão gerando expressivos saldos de balança. Em relação aos preços das commodities agrícolas, projetamos, neste ano, um ajuste para cima em relação aos últimos meses de 2008, ainda que não retornando aos níveis do primeiro semestre do ano passado. Esse movimento de commodities agrícolas é motivado, principalmente: a) pelo fato de a China ter voltado a recompor seus estoques de commodities agrícolas; b) pelo aumento de posições compradas no mercado de derivativos; e c) pelo choque de oferta em razão de situação climática ruim em vários países produtores. (Ver infográfico de posição comprada no mercado de derivativos e preço da soja). Para as commodities agrícolas e o minério de ferro, a queda média dos preços em 2009 deve ser de 7,5% e 20%, respectivamente. Com relação ao quantum exportado, o recuo deve ser de 13% para o minério de ferro e de 3,8% para as commodities agrícolas. As importações devem se reduzir 16% em relação a 2008, por causa da queda do nível de atividade e da renda. Fator relevante para a redução das importações deve ser também a conta petróleo, cujo déficit deve passar de US$ 11 bilhões, em 2008, para US$ 7 bilhões, neste ano, principalmente por causa da recuperação da produção interna. Um fator adicional positivo para o desempenho das exportações e negativo para as importações será a própria taxa de câmbio média, que em 2008 foi de R$ 1,83 por dólar e deve ser de R$ 2,18 por dólar neste ano, de acordo com as nossas projeções. Ainda sobre as transações correntes, projetamos uma melhora de resultado para a conta de serviços e rendas, em razão, sobretudo, da conta juros - que deve passar de US$ 7,2 bilhões, em 2008, para US$ 3,5 bilhões, neste ano - e da conta remessas de lucros e dividendos, que deve atingir US$ 25 bilhões neste ano, ante US$ 33,8 bilhões em 2008. Esse forte movimento de queda do envio de recursos está ligado à redução do nível de atividade interna. De forma geral, estimamos as necessidades de financiamento externas em US$ 40,1 bilhões em 2009, e fontes de financiamento em US$ 60 bilhões. Como fontes de recursos, projetamos US$ 25 bilhões advindos de investimento estrangeiro direto, US$ 15 bilhões de investimento em papéis domésticos de longo prazo/ações e US$ 25 bilhões de empréstimos e financiamento. Dessa forma, levando em conta as necessidades e as fontes, deve-se observar uma sobra de dólares de US$ 19,8 bilhões. Apesar do fraco desempenho nas rolagens dos financiamentos externos no final de 2008 e em janeiro de 2009, projetamos uma taxa de 100% para o ano. Com isso, a tendência do câmbio é, portanto, de apreciação ao longo deste ano, alcançando R$ 2 por dólar ao final do período. Ainda nesse contexto, é importante ressaltar a relevância do agronegócio para o saldo comercial brasileiro e, consequentemente, das linhas para financiar as exportações num momento em que os bancos ainda estão resistentes a fornecer crédito. O Banco Central disponibilizou um mecanismo de leilão de dólares, voltado ao crédito para exportação, mas que não tem sido bem-sucedido. Desde a sua criação, em novembro, foram vendidos apenas US$ 7 bilhões para essa finalidade. A reduzida demanda pela linha pode ser explicada pelas rígidas exigências de garantias, conforme estabelecido pelas Resoluções 3.622 e 3.633 do Banco Central. Diante da reduzida eficácia desse instrumento, algumas alterações poderiam ser implementadas de forma a torná-lo menos arriscado aos bancos que fornecem o crédito e mais atraente ao tomador, ou seja, o exportador. Uma proposta seria a criação de um fundo garantidor, composto por recursos públicos e privados, que poderia ser utilizado para dar respaldo a esse tipo de operação. O resultado seria maior disponibilidade dessa modalidade de crédito e, principalmente, redução do custo aos tomadores finais, diante da provável queda de spread. Com essa mudança, pelo menos pelo lado da oferta, as exportações brasileiras e consequentemente a entrada de dólares no País não estariam comprometidas. Dada a retração da demanda no mundo, a implementação de mecanismos para normalizar o crédito ao setor exportador se torna cada vez mais relevante, aumentando a probabilidade de materialização do cenário descrito neste artigo. * Nathan Blanche é sócio dire-tor da Tendências Consultoria Integrada

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