19 de maio de 2018 | 17h00
A disparada do dólar no câmbio interno não se deve apenas aos ajustes turbulentos por que passa a economia global.
Tem muito a ver com causas internas e a última derrapada produzida pela direção do Banco Central. O dólar chegou a ser negociado sexta-feira a R$ 3,78 , mas fechou a R$ 3,74, com alta de 10,5% em um mês e força suficiente para que o mercado financeiro se perguntasse quando chegaria aos R$ 4,00.
A tabela mostra que em apenas dois dias (seguintes à reunião do Copom), o dólar subiu substancialmente mais ante o real do que ante a outras moedas emergentes, especialmente o peso argentino, o peso chileno e a rupia indiana.
Para ajudar a entender o que se passa convém separar as coisas. Primeiramente, há o mega-ajuste global. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) está preparando a esticada nos juros, que poderá ser mais gradual do que muitos imaginam, mas que provocará certo enxugamento no volume de dólares na economia global. O objetivo do Fed é combater a inflação que começa a empinar o nariz nos Estados Unidos, em boa parte em consequência do rali dos preços do petróleo que, por sua vez, tem a ver com o rompimento unilateral pelos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã. Essa manobra já produziu queda do euro e da libra esterlina (de 1,2% e de 0,6%, respectivamente, em 15 dias), mas bateu mais pesadamente nas moedas dos países emergentes, especialmente Argentina, Turquia e Brasil, porque essas economias, com rombos sérios nas respectivas contas públicas, já seguiam trôpegas pelo caminho.
Por meio de documentos e pelas entrevistas, a última delas concedida pelo presidente Ilan Goldfajn dez dias antes da decisão do Copom, ficou entendido que o Banco Central cortaria os juros (Selic) em mais um quarto de ponto porcentual, para 6,25% ao ano.
Para surpresa geral, o Copom suspendeu o processo de corte dos juros e os manteve nos 6,5% ao ano. Grande número de administradores de carteiras levou um choque e espumou de raiva porque o Banco Central quebrou o entendimento cultivado ao longo dos últimos dois anos, de que a comunicação com o mercado seria clara, transparente e à prova de surpresas. Enfim, Goldfajn teve um momento de Tombini, o presidente anterior do Banco Central, que era dado a uma embromation.
Em defesa do Banco Central, pode-se dizer duas coisas: primeira, que o quadro geral mudou e que foi preciso ajustar o aparelho de ar-condicionado ao novo tamanho do frio. E, segunda, que o mercado entendeu – e nisso apostou dinheiro grosso – o que, na realidade, Goldfajn não disse nas entrevistas.
Sim, o quadro geral mudou e, desse ponto de vista, a decisão do Copom pode ter sido correta. Quanto ao segundo ponto, convém relembrar que comunicação não é só o que um diz, é, também, o que o outro entende. Portanto, o que houve foi suficiente para se concluir que teve curto-circuito.
Os esclarecimentos que eventualmente o Banco Central puder repassar no texto da Ata do Copom, a ser divulgada na próxima terça-feira, provavelmente pouco contribuirão para desvanecer o mal-entendido. Isso aí é como crises de casal que não se resolvem com DR (discussão sobre a relação) e buquê de flores. Vai ser preciso tempo, que cicatrize arranhões na confiança.
Mas fica o resto: o jogo do Fed, a arrancada do dólar, a desorganização das contas públicas do Brasil, as incertezas eleitorais e as demais mazelas verde-amarelas. Sobra o que dizia o então ministro Octávio Bulhões nas crises dos anos 80: “Apesar de tudo, o Brasil é maior do que o buraco”. Talvez não sirva de consolo.
Se o dólar desandar no câmbio interno, é improvável que o Banco Central deixe de usar sua vasta munição de recursos, em atuação no mercado futuro e em reservas de US$ 380 bilhões, para evitar a vertigem do real. Sim, mas quando e como?
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