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Da ''escadinha'' à poupança popular

Técnicos queriam os 65% da Selic

Por Sergio Gobetti e BRASÍLIA
Atualização:

A alternativa escolhida pelo Palácio do Planalto para reduzir, via tributação, os ganhos extraordinários da caderneta de poupança sobre os demais fundos de investimento oferecidos pelo sistema financeiro era a última da lista de opções da equipe técnica. A fórmula preferida pelos técnicos da equipe econômica e pela cúpula dos bancos públicos era atrelar o rendimento da poupança à taxa Selic - como também queria o Banco Central (BC) - e contornar as resistências políticas com a criação de uma "poupança popular". Essas ideias esbarram em dois problemas. O primeiro: os temores políticos do Planalto diante da campanha deflagrada pelo PPS, comparando os estudos para mexer na poupança ao confisco promovido pelo governo Collor em março de 1990. O segundo problema foi de ordem operacional. Nos debates entre os técnicos, a ideia de tributar a poupança (mesmo na fórmula adotada, que varia inversamente à taxa Selic) sempre foi questionada - por causa dos riscos de contestação jurídica e também pelo efeito econômico. Ao ser tributada, a poupança pode perder sua atratividade em relação aos fundos, mas seu custo para o banco que capta o dinheiro continua o mesmo, e isso pode ser um entrave para a redução das taxas cobradas nos empréstimos imobiliários. Atualmente, 65% das captações da caderneta de poupança estão vinculadas ao financiamento habitacional. Os bancos, como intermediários do dinheiro, pagam ao depositante uma taxa de 6,17% ao ano mais TR (Taxa de Referência) e cobram dos mutuários 12% ao ano mais TR. Se a taxa de juros continuar caindo e o custo de captação da poupança não acompanhar essa queda, o sistema financeiro terá dificuldade em baratear o crédito imobiliário na ponta. "A tendência é que os bancos tentem substituir a captação via poupança por outros mecanismos", disse ao Estado uma fonte da Caixa Econômica Federal. A Caixa é hoje a principal captadora de poupança no País e tende a perder depósitos para outras instituições se a caderneta se enfraquecer. Por isso, a cúpula do banco estatal preferia mexer na TR e criar uma espécie de "escadinha" para os rendimentos da poupança. A "escadinha" funcionaria da seguinte forma: para cada 0,5 ponto porcentual que a Selic caísse abaixo dos 9% ao ano, o rendimento fixo da poupança (atualmente de 6,17% ao ano) cairia 0,25 ponto porcentual. Na prática, a medida seria muito parecida com a proposta da equipe econômica de estabelecer um teto de 65% da taxa Selic para os rendimentos da poupança, mas operacionalmente teria suas vantagens. No debate entre os técnicos, essa proposta da Caixa era a preferida, a número 1 da lista de opções, pois eliminaria os entraves hoje existentes para uma redução adicional da taxa de juros. O eventual desgaste político da medida, segundo os técnicos, poderia ser contornado com a concessão de um status de "poupança popular" para as contas velhas inferiores a R$ 50 mil. Ou seja, com a garantia de que pessoas com menos de R$ 50 mil na poupança continuariam tendo seus depósitos remunerados à taxa fixa de 6,17% ao ano mais TR. O primeiro problema operacional detectado foi este: o que fazer com pessoas que possuem contas em mais de um banco e que, somadas, superam os R$ 50 mil? Quais contas, de quais bancos, teriam o status de "popular" e quais não teriam? A segunda questão era como evitar que, a partir da edição de uma medida provisória, as "contas velhas" continuassem a receber depósitos. A área operacional dos bancos avaliava que levaria alguns meses para conseguir viabilizar a separação das contas e, juridicamente, não teria como aplicar a regra retroativamente. Ou seja, nos primeiros meses da MP as pessoas continuariam fazendo depósitos nas contas velhas, ainda mais sabendo que elas manteriam uma rentabilidade diferenciada. Com tantas e tamanhas incertezas técnicas e operacionais, a pressão por uma saída política acabou ganhando força. O governo optou por tributar as poupanças superiores a R$ 50 mil a partir de 2010 e, transitoriamente, em 2009, avaliar a conveniência de reduzir a tributação dos fundos de investimentos. Essa medida transitória, entretanto, pode virar um "gol contra" se a oposição rejeitar o projeto que mexe na poupança, forçando o governo a prorrogá-la no próximo ano. A decisão política do Planalto, em detrimento das opções técnicas, teve a ver com a pressa em dar uma resposta à oposição.

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