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De bronca com o capital

Por Carlos Alberto Sardenberg
Atualização:

Dois empresários que estiveram com Lula desde a primeira campanha vitoriosa, a de 2002, estão agora se estranhando com o presidente. Um é Roger Agnelli, presidente da Vale. Outro é Paulo Skaf, presidente da Fiesp. Os motivos são diferentes. Com Skaf, a briga se dá em torno da CPMF. No caso de Agnelli, o problema é mais complicado. O presidente e seus colaboradores têm dito que a Vale "escalpela" o Pará e não dá nada em troca, que investe mais no exterior do que no Brasil e que deveria exportar mais produtos acabados e menos matéria-prima. As críticas tanto incomodaram que Agnelli se apressou a marcar reunião com o presidente Lula para relatar a atuação da companhia. Isso foi há três semanas e não adiantou muito. Lula voltou às críticas na última quinta-feira, em evento no Pará, ao lado da governadora Ana Júlia, que também se queixa e quer mais apoio da Vale ao Estado. No dia seguinte, Agnelli defendeu-se publicamente. Disse, por exemplo, que a Vale é a empresa privada que mais investe na infra-estrutura nacional, referindo-se a portos, ferrovias e rodovias que a companhia opera ou dos quais participa. Também apresentou suas próprias reclamações. As empresas que pretendem investir no Brasil, comentou, precisam ter garantias de que não sofrerão invasões ou agressão às suas instalações e a seus trabalhadores. A Vale tem sofrido com isso - invasões de índios, do MST e de outros movimentos -, com a, digamos, compreensão de autoridades. Lula confunde a Vale com uma estatal. Trata-a como se fosse a Petrobrás, empresa que, segundo o presidente, não pode pensar só no lucro, mas em, digamos, ajudar o Brasil. Na visão de Lula, isso significa comprar plataformas de petróleo no Brasil, mesmo que estas sejam mais caras e entregues com mais demora. Seria o custo para desenvolver estaleiros nacionais. Mas, com isso, a Petrobrás atrasa sua produção de óleo e tem rentabilidade menor, o que prejudica seus acionistas, o governo e os investidores privados, nacionais e estrangeiros. Será que isso também não prejudica o País? De todo modo, nota Agnelli, a empresa privada tem de buscar o retorno financeiro e a remuneração de seus acionistas. É do jogo capitalista. Se não for assim, a empresa não prospera e, pois, não gera produtos nem empregos aqui ou lá fora. A bronca de Lula parte de outro ponto de vista, aquele expresso no pensamento econômico do PT, em documentos pré-governo. Entre outras coisas, sustenta que a propriedade e, pois, a empresa só são legítimas se cumprirem função social. Parece bonito, mas o que é função social? Dar emprego para os companheiros? Dar dinheiro para os governos amigos? Pagar mesadas aos movimentos sociais? Gastar recursos em atividades que não têm nada que ver com a empresa, para apoiar determinados grupos e interesses ditos coletivos? Tudo isso desvia o foco da empresa, drena recursos, reduz a produtividade e, portanto, de novo, a capacidade de gerar riqueza e empregos. Na verdade, a regra do jogo é simples: cabe ao governo regular o ambiente de negócios, mas de modo a garantir a propriedade privada, preservar a competição e garantir que o investidor receberá os resultados do seu empreendimento. Sem isso não há desenvolvimento. Com isso há desenvolvimento e as outras conseqüências aparecem. O Estado arrecada mais impostos, tanto diretamente das empresas quanto do dinheiro movimentado por seus empregados e pelos empregados de seus clientes. Leis ambientais são necessárias, mas, no essencial, é o mercado que impõe comportamentos às empresas. É por razões de mercado e por pressão dos consumidores mundiais que as empresas se estão tornando verdes e exercendo a responsabilidade social. Nos documentos antigos do PT, alguns escritos por Guido Mantega, como Um outro Brasil é possível, aparecia uma visão claramente intervencionista. Ali se dizia que o governo dirigiria as empresas estrangeiras para a exportação e reservaria para as nacionais o mercado de massas interno. É bobagem o governo, qualquer governo, entender que pode dirigir assim uma economia de mercado. E, de todo modo, essa visão simplesmente foi deixada de lado na era de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. Mas foi voltando aos poucos com Guido Mantega e na medida em que este vai pondo seu pessoal no comando da administração econômica. Por toda parte se vê a vontade do governo de intervir. Vai desde querer dirigir a Vale até o tabelamento e o congelamento das tarifas bancárias, anunciados na semana passada. Nos diferentes setores, encontram-se empresários e executivos se queixando das regras e das normas excessivas que atrapalham, burocratizam e encarecem seus negócios. Não que as empresas não cometam equívocos e abusos. Mas, em geral, as que mais fazem isso estão na informalidade ou nas franjas da formalidade, justamente aquelas que não cumprem as normas. Como não consegue apanhar estas, controles e mais regras para todas. Tudo isso - as invasões de que se queixam Agnelli e tantos outros executivos e os abusos contra a propriedade privada - cria um ambiente ruim. Não parece, mas está aí. A sorte é que isso convive com seu oposto. Para hoje, por exemplo, está marcado o leilão da Usina Santo Antônio, no Rio Madeira, que entregará ao consórcio vencedor a hidrelétrica e a energia a ser gerada. Ou seja, uma privatização completa, mais ou menos como na licitação das estradas. Embora com restrições, saiu o leilão dos blocos de petróleo. São coisas que decorrem da necessidade - o governo não tem dinheiro para esses investimentos -, da herança bendita da era Palocci e do tamanho da economia, impossível de ser controlada. Mas que estão tentando atrapalhar, estão. *Carlos Alberto Sardenberg é jornalista. Site: www.sardenberg.com.br

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