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De curto em curto prazo

Por Paulo R. Haddad
Atualização:

Desde o início da década de 80, as políticas de crescimento e de desenvolvimento no Brasil vêm sendo dominadas pela agenda de problemas de curto prazo. Após a implementação do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, as questões conjunturais decorrentes dos desequilíbrios macroeconômicos do País vieram assumindo tamanha gravidade econômica e social que o equacionamento das questões do desenvolvimento de médio e de longo prazos foi sendo recorrentemente postergado. Soluções para o volumoso endividamento interno e externo, a erradicação de um processo de inflação crônica, com suas mazelas sociais, e a atenuação das taxas de desemprego cíclico passaram a prevalecer sobre as políticas públicas de médio e de longo prazos, que cuidam das soluções estruturais para os problemas de pobreza e de indigência, de desequilíbrios regionais de desenvolvimento ou do uso sustentável dos recursos naturais do País. Usualmente, essas políticas públicas não se limitam a elaborar e executar programas e projetos incrementais para corrigir distorções criadas pelo próprio processo de desenvolvimento, para promover ações complementares a esse processo ou para mitigar carências específicas de infraestrutura econômica e social. Elas não podem prescindir de programas e projetos estruturantes que buscam transformar as tendências e os padrões atuais dos processos de desenvolvimento socioeconômico e ambiental, ou que buscam mobilizar potencialidades e recursos latentes ainda não explorados da sociedade. Ademais, por serem inovadoras, não se condicionam a condutas tímidas diante dos "limites do possível" que se abrem para o desenvolvimento do País. Para que tenham sucesso no médio e no longo prazos, essas políticas necessitam da institucionalização de ações programáticas persistentes, de centralidade e status político adequado na máquina administrativa e de modelos de governança eficientes e eficazes. O que se observa, contudo, é a sua imersão atualmente num ambiente de incertezas e de aleatoriedades em relação aos recursos financeiros e institucionais que dispõem, assim como sua frequente captura por interesses velados de natureza clientelística. Ora, em razão dos problemas que estão sendo gerados atualmente na economia brasileira pela crise financeira internacional, começa a se repetir mais uma rodada do ciclo do processo decisório no governo federal, em que a dominância da agenda das questões de curto prazo passa a prevalecer sobre as experiências embrionárias setoriais de resgate das políticas de desenvolvimento de médio e de longo prazos (PNLT, PNRH, PDE, etc.). É missão dessas políticas prospectar o futuro da economia e gerar cenários alternativos de desenvolvimento sustentável com menores custos de oportunidade para a sociedade. Esses cenários servem para definir ações programáticas que vão coordenar o aumento da produtividade dos recursos naturais renováveis e não-renováveis e mobilizar potencialidades latentes (bioenergia, por exemplo), para expandir e concentrar capital humano e institucional em setores-chave e eliminar eventuais pontos de estrangulamento na infraestrutura econômica. Mas servem, principalmente, para que os agentes privados possam se comprometer com projetos de investimento de lenta maturação, pois sua racionalidade econômica se exprime no longo prazo. Além do mais, buscar soluções para problemas econômicos de curto prazo sem o balizamento de uma visão de perspectiva leva a um equívoco histórico, pois uma sequência quase interminável de políticas de curto prazo pode conter políticas implícitas de efeitos não esperados ou indesejáveis sobre o longo prazo. As novas teorias do crescimento econômico endógeno põem em questão a dicotomia analítica entre políticas de curto prazo e políticas de longo prazo. De um lado, as teorias que buscam analisar as flutuações ou os ciclos reais dos negócios mostram que estes podem ter uma influência poderosa no longo prazo. Por outro lado, as condições iniciais de uma economia, afetadas por desequilíbrios, podem influenciar o seu ritmo de crescimento. E a maior ou menor rapidez do crescimento e o seu próprio estilo podem impactar também as evoluções conjunturais. Parafraseando Keynes, pode-se dizer que de curto em curto prazo estaremos todos mortos. *Paulo R. Haddad, professor do IBMEC-MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco

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