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De onde vem o perigo

Cenário externo preocupa, mas 2019 pode ser um teste definitivo da resiliência do Brasil a choques exógenos

Por José Márcio Camargo
Atualização:

Após contados os votos e declarados os vencedores, começou a etapa de formação das equipes que irão comandar o País no futuro próximo. Cumprindo promessas de campanha, o presidente eleito Jair Bolsonaro tem escolhido nomes para a equipe econômica que indicam uma continuidade e aprofundamento das reformas implementadas pelo atual governo. O resultado é um relativo otimismo entre os analistas quanto ao desempenho da economia brasileira no futuro próximo.

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Entretanto, este cenário poderá se ver ameaçado por um cenário externo que está se desenhando bastante delicado. Em especial, os efeitos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China são preocupantes. Estados Unidos e China são as duas maiores economias do mundo e a China é nosso maior parceiro comercial.

Existem dois efeitos particularmente perversos: pressão inflacionária dos Estados Unidos e desaceleração do crescimento chinês.

A introdução de tarifas às exportações tanto nos Estados Unidos quanto na China aumenta os custos de produção e gera pressão sobre os preços dos bens comerciáveis, ou seja, bens que são produzidos num país e podem ser consumidos em qualquer outro, via exportações. Esse choque exógeno poderá ficar restrito aos preços diretamente afetados pelas tarifas, sem gerar inflação generalizada.

Entretanto, numa economia com políticas monetária e fiscal expansionistas e com taxa de desemprego muito baixa, como é atualmente a economia norte-americana, esse aumento dos preços dos bens comerciáveis poderá se espalhar para os preços dos bens não comerciáveis, como os serviços, por meio de pressão sobre os salários nominais. O resultado será mais inflação.

Com mais inflação no horizonte, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) será forçado a aumentar mais rapidamente as taxas de juros e reduzir a liquidez de forma mais intensa, atraindo parte relevante da oferta mundial de capitais e pressionando a taxa de câmbio nos países emergentes, inclusive no Brasil.

Ao contrário dos Estados Unidos, a China é bastante dependente do comércio internacional. Uma parte significativa da produção da economia chinesa é direcionada para o mercado internacional e os preços externos dos bens são uma importante referência para os preços internos, que são, em grande parte, controlados pelo governo. Por outro lado, como os Estados Unidos são o maior mercado consumidor de produtos chineses, um dos possíveis efeitos da introdução, pelos Estados Unidos, de tarifas às exportações deste país é o deslocamento de empresas hoje localizadas na China para outros países emergentes, para fugir das tarifas.

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Tanto a desaceleração da economia quanto a saída de capitais já estão ocorrendo. O governo tem adotado políticas monetária, fiscal e creditícia expansionistas, com o objetivo de evitar que a desaceleração se acentue, mas não tem sido capaz de frear a saída de capitais. Por outro lado, essas políticas têm limites claros, principalmente numa economia já bastante endividada.

Uma desaceleração mais acentuada da economia chinesa reduz a demanda e os preços dos produtos exportados pelo Brasil (minério de ferro, soja, carne, etc.), aumenta o déficit em conta corrente e pressiona a taxa de câmbio.

A economia brasileira deu, ao longo de 2018, sinais concretos de resiliência a choques exógenos deste tipo. Para que tal cenário se mantenha, é fundamental aprovar uma reforma da Previdência que convença os investidores de que a Emenda Constitucional n.º 95 é viável e, portanto, que a trajetória da dívida pública brasileira é sustentável. Neste caso, se o cenário descrito acima se materializar, 2019 poderá se constituir num teste definitivo dessa resiliência.

*PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA DA GENIAL INVESTIMENTOS

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