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De volta ao paraíso

Suspender ou flexibilizar o teto fatalmente levará a uma reversão da trajetória de queda dos juros

Por José Márcio Camargo
Atualização:

Na semana passada, o Congresso derrubou o veto do presidente Bolsonaro ao projeto que aumenta o limite para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de ¼ para ½ do salário mínimo. Segundo o Ministério da Economia, isso significa um aumento de gasto obrigatório de R$ 20 bilhões em 2020 e R$ 217 bilhões em dez anos, o que tornaria impossível o cumprimento do teto para o crescimento do gasto público. Uma decisão em total desacordo com as necessidades do País.

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No final de 2019, o governo enviou ao Congresso três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que, em conjunto com a PEC da Regra de Ouro, caso aprovadas, criariam condições para a redução dos gastos obrigatórios do governo e tornariam o teto do gasto sustentável. A derrubada do veto ao aumento do limite do BPC faz com que a aprovação dessas propostas seja uma condição necessária, mas talvez não suficiente, para a manutenção do teto. 

A pandemia da covid-19 é uma emergência que vai requerer recursos públicos e, portanto, redução de outras despesas para que o teto seja respeitado. Este é um dos objetivos do teto dos gastos: criar na sociedade brasileira (população, Legislativo e Executivo) a cultura de ordenar e definir prioridades no processo orçamentário. As quatro PECs que estão no Congresso viabilizam essas escolhas ao diminuir os gastos obrigatórios. A opção seria suspender ou flexibilizar o teto, como já sugerem alguns analistas. Por que não adotar essa alternativa?

Um importante objetivo do teto é criar condições para uma redução estrutural das taxas de juros da dívida pública brasileira, que, por décadas, estavam entre as maiores do mundo. Por que a existência do teto atingiria esse objetivo?

Para respeitar o teto, os gastos públicos terão de permanecer constantes em termos reais até 2026. Ou seja, todo aumento de receita terá de ser alocado para reduzir o déficit primário, ou a dívida pública, ou a carga tributária. Portanto, qualquer crescimento real do PIB vai, eventualmente, levar a uma redução da dívida como proporção do PIB. Afinal, se o PIB cresce, crescem as receitas tributárias e, como os gastos estão constantes, eventualmente vão sobrar recursos para diminuir a dívida.

Como a relação entre a dívida pública e o PIB é o principal indicador de solvência do País, a existência de um teto é uma garantia de que o grau de solvência do Brasil vai melhorar no futuro. Quando isso acontecer, a demanda pelos títulos públicos e, portanto, seus preços deverão aumentar, com a consequente queda das taxas de juros.

Mas os investidores só conseguem lucrar com suas aplicações financeiras se forem capazes de antecipar os movimentos dos preços dos ativos. Ou seja, se a expectativa dos investidores é de que os preços dos títulos vão aumentar no futuro, a melhor estratégia é comprar hoje e esperar os preços aumentarem para vender no futuro. Com a antecipação do movimento, o resultado é um aumento dos preços e queda nas taxas de juros no presente.

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Não deve ter sido por simples coincidência que as taxas médias de juros reais pagas pelos títulos do governo brasileiro mostraram forte redução (de 21% ao ano para 5% ao ano) desde que o teto para o crescimento do gasto público foi aprovado, em dezembro de 2016.

Suspender ou flexibilizar o teto retira a restrição para o crescimento do gasto público e destrói este mecanismo automático de ajuste, o que fatalmente vai levar a uma reversão da trajetória de queda dos juros que ocorreu nos últimos três anos e meio. E, com juros mais elevados, aumenta a probabilidade de uma volta da recessão. Um tiro no pé.

Também não foi coincidência que, após a derrubada do veto ao aumento do BPC, uma decisão que mostra total irresponsabilidade do Congresso, as taxas de juros dos títulos públicos subiram acentuadamente. Um indicador eloquente do que poderá estar à frente caso o teto seja flexibilizado ou suspenso: a volta do paraíso dos rentistas! 

* PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA-CHEFE DA GENIAL INVESTIMENTOS

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